http://avebarna.blogspot.com/2016/08/sem-frente-derrota-iminente_60.html
2016-08-08
Erdoganização global: aforismos
1
O corolário do desenvolvimento capitalista inexoravelmente parasitário dos Estados nacionais - a despeito das ilusões disseminadas sobre a progressiva dissolução destes últimos na "economia globalizada" - é a confirmação do bonapartismo, em suas inúmeras variantes institucionais e orientações cardeais, como regime político padrão do século XXI.
2
Claro indício do fenômeno - pela negativa - é o desconcertante resultado dos esforços das potências ocidentais para “livrar o mundo” dos resquícios da maré anti-colonial pan-árabe do II Pós-Guerra: a desintegração da ordem petroleira mundial num emaranhado quase incompreensível de guerras civis travestidas, como recém explicou o Papa Francisco(!), de conflitos religiosos. Conclusão tardia: era melhor um Sadam/ Kadhafi/ Assad mais ou menos na mão em seu espaço nacional do que milhares de jihadistas islâmicos voando pelo mundo à caça de alvos aleatórios.
3
Três importantes aspectos da erdoganização global são: (1) a "judicialização da política" - também dita "politização da justiça", (2) a ritualização da democracia e a mumificação de suas instituições, em aberta contradição com a potência criadora das multidões trabalhadoras urbanas; (3) a implosão da dicotomia metafísica esquerda/direita (democracia/fascismo na versão dos manuais da burocracia pós-bolchevique de Moscou), a começar do tsunami popular urbano que consumou a inglória debandada desta última em fins da década de 1980.
4
A grande incógnita deste século adolescente é o trabalhadorado planetário, imerso numa crise autenticamente hamletiana de identidade e de perspectiva histórica - confiscadas aos seus pais e avós pela social-democracia, lançadas ao buraco da memória pelo termidor soviético e ainda não remidas pelas novas gerações.
5
Por ora, continua valendo a máxima política do inesquecível deputado Francelino Pereira: "O futuro a Deus pertence".
Acesse o original ilustrado pelo link
2016-04-05
Governistas e legalistas
Os adversários ativos do impeachment de Dilma Rousseff compreendem, a essa altura, duas grandes categorias: os "governistas" e os
"legalistas" - e todos querem vencer a batalha sem ter de
renunciar a suas visões sobre a crise atual e, menos ainda, sobre as
perspectivas futuras.
Detalhe importante: eles não gostam de ser confundidos - o que, convenhamos, é
não apenas justo como muito salutar.
De modo geral, os "governistas" são filiados ao Partido dos
Trabalhadores e sua área de influência; os "legalistas" incluem uma
variada mescla de ativistas de esquerda, a maioria, talvez, sob a influência do
PSOL, além de uma grande quantidade de democratas e socialistas
independentes.
A estes dois grupos se somam, evidentemente, milhões de eleitores de Dilma
Rousseff fieis ao seu voto, embora passivos.
As manifestações de 31 de março deixaram entrever - não tanto por seu tamanho
quanto por sua diversidade social e política - que a ação unificada de
"governistas" e "legalistas", arrastando atrás de si o
eleitorado em geral, é a única maneira de impedir que a Presidência seja
usurpada pelos estafetas parlamentares do empresariado organizado, na forma
do impeachment sem crime de responsabilidade ou, o que dá quase no
mesmo, que o impeachment seja derrotado à custa da partilha da Administração
Pública brasileira entre o rebotalho do rebotalho da representação política
desse mesmo empresariado; em outras palavras, de tornar-se o governo liderado
pelo PT ainda mais refém (se é que é possível) do inimigo comum do que foi com
o PMDB!
O que nos leva a uma preocupação: o PT pretender que o governo dê uma guinada à
esquerda, sob a batuta de Lula, depois de vencer a batalha parlamentar do
impeachment com uma tropa de algumas dezenas de "picaretas" (quem não
se lembra?) fisiológicos, pode ser o início da aventura populista referida
por este blogueiro na recente postagem "O ocaso da Nova República:
Constituinte e cenários alternativos - um esboço" (24-03-2016) http://avebarna.blogspot.com.br/2016/03/o-ocaso-da-nova-republica-constituinte.html
A "saída pela esquerda" é, antes de qualquer coisa, vencer a batalha
do impeachment pela via da mobilização democrática da maioria. E quem tem os
meios para promovê-la são, antes de todos e principalmente, o PT e o
PSOL.
2016-04-04
Pero no mucho
Demonstrando uma vez mais ter a exata noção de seu lugar na
situação política - a retaguarda dos movimentos populares - bem como do momento
oportuno para a sua intervenção dirigente - sempre a reboque dos acontecimentos
-, a liderança do Partido dos Trabalhadores (que Deus os proteja!) vem de admitir,
em seu jornal online, que as jornadas democráticas contra o impeachment de 31
de março foram, em boa medida, um movimento em defesa do mandato, não
do governo Dilma Rousseff - uma das razões, creio, de seu
relativo sucesso num momento particularmente delicado para as hostes
governistas (sendo a outra a absoluta incapacidade de Michel Temer de unir o
polegar e o indicador da mão direita, que dirá O Globo, Estadão, Folha, FIESP,
FIRJAN, FEBRABAN, latifúndio, agronegócio, incorporadores, concessionários,
empreiteiros e uma parte não desprezível do Novo Brasil de classe média
preconizado, num momento de raro descortino, pela nossa querida presidenta).
[imagens]
Modere, contudo, o seu entusiasmo, leitor
independente. Isto era só quando passávamos o mouse por cima da figura! Na foto
de capa, pura e simples, pontificava a associação explícita das manifestações
de 31 de março com a originalíssima solução política "Lula 2018" - um
direito inalienável, obviamente, da publicação que o patrocina. Quem não se
sentir representado, azar - que vá procurar a sua turma!
A do blogueiro, já se sabe, é a turma da Mônica Iozzi: "Ser legalista não
é o mesmo que ser governista".
2016-03-24
O ocaso da Nova República: Constituinte e cenários alternativos - um esboço
À parte a frenética montagem do impeachment de Dilma, por crimes de responsabilidade até agora não caracterizados e pelas mãos de uma canalha parlamentar que não resiste a três dias de investigações, a evidência mais notória da falência da Nova República é o fato incontornável de que o Executivo e o Legislativo - dilacerados pelos temores, desconfianças e conflitos de interesses gerados pela combinação explosiva da desaceleração abrupta da economia com a supuração da "república das empreiteiras" - já não podem funcionar sem a arbitragem permanente do Judiciário (STF); uma situação administrativamente inviável e altamente instável do ponto de vista político.
Na verdade, o primeiro dobre do fim da Nova República foi o tsunami democrático de junho de 2013, quando, incentivadas pela luta estudantil em favor da meia-passagem e impelidas pela combustão dos gases fétidos acumulados na preparação da Copa do Mundo, multidões nunca vistas no Brasil tomaram as ruas por ocasião da Copa das Confederações - espelhando-se na Primavera Árabe, nos Indignados da Puerta del Sol e nas Manifestações de Istambul - para exorcizar em público o sentimento represado e difuso de que algo de podre havia também em nosso vasto reino tropical.
Não apenas o pacto lulista está irremediavelmente comprometido; o equilíbrio anterior tampouco pode ser recuperado, tanto por ter o país mudado consideravelmente na era Lula, com a elevação do nível de vida - e exigência - das multidões urbanas relativamente ao Hades das décadas de 1980-90, quanto pelo fato de a ajudicação privilegiada dos negócios e serviços do Estado a um petit comité de bancos, empreiteiras e concessionárias integrados ao circuito financeiro mundial ter sido, notoriamente, catapultada ainda no decênio anterior - a "privataria" da era FHC - para não falar de seus primórdios sob José Sarney, já em vigência da Constituição de 1988.
A questão que parece resumir o atual impasse é: a elevação sustentada do nível de vida dos trabalhadores supõe o prolongamento do pacto sinistro que levou bancos e empreiteiras, pela mão do próprio Estado - sob Sarney, FHC e, desgraçadamente, Lula e Dilma, além de Câmara, Senado e Judiciário - à condição de virtuais concessionários do Brasil?
A resposta, quero crer, tem de ser dada por um novo Congresso Nacional eleito sem a influência do dinheiro e dos potentados midiáticos, com poderes Constituintes suficientes para proceder ao desmonte da "república das empreiteiras" e à criação, no Brasil, de um contrato social autenticamente democrático e dos poderes que lhe correspondam.
É claro, um Congresso Constituinte democrático e soberano não poderá ser parido pela Nova República em franco processo de decomposição: terá de ser imposto pela mobilização em massa das novas gerações, por todo o país. Ele é o norte necessário da revolução democrática interrompida pelo descarrilamento do PT e retomada, caoticamente como não poderia deixar de ser em tais circunstâncias, pelo tsunami de junho de 2013.
Nesse processo, o trabalhadorado brasileiro terá condições mais favoráveis para resgatar a sua identidade de classe e proceder à inadiável reconstrução de sua representação política, papel a que o PT renunciou por livre escolha de sua liderança histórica.
Os cenários alternativos, nada auspiciosos para a maioria dos brasileiros, são tipicamente três:
O primeiro, já em acelerado ritmo de montagem , é um acordão conservador entre as diversas frações do empresariado, sua imprensa onipresente e seus estafetas parlamentares para um golpe congressional na forma do impeachment de Dilma, com a bênção longânime do STF e a anuência passiva e agradecida de militares escaldados que preferem permanecer em seus quartéis. Aqui, transfere-se o poder a Temer, encarrega-se a condução da economia a um ministério do mercado para proceder às "reformas estruturais" e, muito provavelmente, negocia-se, via STF, o paulatino relaxamento das prisões e sentenças dos mega-empresários e políticos processados e condenados em rito eficaz pela Lava-Jato - objeto de indisfarçável perplexidade nos clubes patronais e discretíssimo desconforto no âmbito da suprema corte. Esta alternativa é enormemente facilitada, nas circunstâncias da crise econômica, pela esterilização petista do movimento operário, inscrita no plano de subsunção de todas as classes ao Novo Brasil lulista de desenvolvimento ininterrupto e ganhos para todos - o "Brasil de classe média" de Dilma Rousseff.
O segundo cenário adverso, cuja probabilidade aumenta exponencialmente no caso de insucesso do primeiro e recrudescimento da agitação política sem perspectiva de saída democrática, é um golpe militar bonapartista, com as consequências conhecidas no que tange às liberdades e direitos. Uma das variantes deste cenário, que lhe explicita o atributo "bonapartista", é a exacerbação, concomitante à restrição das liberdades democráticas, do rigor punitivo da Lava-Jato (com ou sem Moro) contra empresários e políticos, de quaisquer partidos e facções classistas, envolvidos em crimes reais e imaginários contra o Estado e suas agências.
O terceiro cenário adverso é a aventura populista, na forma de uma guinada à esquerda baseada não na democracia de massas via Constituinte, mas no prestígio carismático do líder - menos provável na crise atual por não corresponder, aparentemente, às inclinações pessoais do único líder imaginável e não dispor, em todo caso, de suporte suficiente e adequado nas máquinas sindicais nem, até onde se pode enxergar, da indispensável simpatia de segmentos fardados relevantes.
O desenrolar dos acontecimentos não seguirá à letra, é claro, nenhum desses esquemas, mas tenderá, de uma ou outra forma, a remeter a algum deles, quem sabe uma combinação. O certo é que o curso tomado pelo empresariado, de forçar a queda de Dilma pela mão de um Congresso destituído da mínima sombra de prestígio popular e premido pela espada de Dâmocles da Lava-Jato, não tem qualquer chance de resultar em uma solução politicamente estável. A queda de Dilma não tem, ao contrário das ilusões disseminadas, o condão de despertar a economia - o que não fará nem um pouco felizes as multidões assalariadas. Muita água há de rolar debaixo dessa ponte - e quem sabe por cima também.
Acesse o original ilustrado pelo link
http://avebarna.blogspot.com/2016/03/o-ocaso-da-nova-republica-constituinte.html
2016-03-12
A incubação bonapartista num fôlego só
Enquanto o patronato em geral e seus acólitos acadêmicos e
jornalísticos se fazem de mortos em face dos cambalachos dos de sua classe com
agentes públicos por contratos em geral, concessões de equipamentos e serviços,
obras faraônicas, eventos planetários, isenções fiscais,
representação no estrangeiro e, é claro, financiamento da dívida pública a
juros escorchantes, em troca de grandes, pequenas e meta-propinas quer para
eles próprios quer para a sustentação de suas máquinas político-partidárias, um
segmento periférico de jovens e ambiciosos juízes de direito e promotores de
justiça em plena ascensão social e profissional, educados na crença do caráter
natural da economia de mercado e imbuídos da ideia razoável, embora
historicamente pouco realista, na verdade totalmente extemporânea, e por isso
mesmo letal para a estabilidade das instituições, de que o cumprimento das
leis, ainda que momentaneamente prejudicial a certos capitalistas, é
indispensável à saúde e ao bom funcionamento do sistema como um todo, se
propõe a extrapolar os fundamentos sociais e as limitações políticas do
poder de que se sabe depositário para assumir o papel de saneadores dos
costumes administrativos do país, o que os conduz a eviscerar o pacto, por
assim dizer, de Deus com o diabo nas terras do Planalto Central, já gravemente
ferido pelos ventos gelados da estagnação econômica planetária, com justificada
aprovação de parte substancial das renovadas multidões urbanas que, ao
contrário do que parece crer a maioria das lideranças de esquerda, não entram
na vida política munidas de carteirinhas de orientação ideológica, muito menos
quando expedidas por um passado duvidoso e que não vêem como seu, mas como
simples cidadãos indignados, trabalhadores em sua maioria embora, a
exemplo de sua liderança política nominal, alienados de sua própria
classe, propensos, alguns, à timorata passividade dos panelaços, outros a
gigantescos tsunamis humanos capazes de abrir caminho tanto para a afirmação da
democracia de massas quanto, no extremo oposto, para a reação policial-militar,
como se deu na Primavera do Cairo, a depender, e este é o “x” da questão, da
capacidade que tenham as referidas lideranças de esquerda de se integrar à
classe trabalhadora e dotar a luta democrática de iniciativas políticas
unificadoras, formas organizacionais adequadas e, o mais importante, uma
perspectiva histórica que faça sentido, por exemplo um Congresso Constituinte
com candidaturas populares para enterrar a Nova República convertida em
República das Empreiteiras, Bancos e Concessionárias e instituir uma democracia
substantiva para a maioria da nação, assim ajudando a referida classe
trabalhadora a forjar novas lideranças nascidas de seu próprio meio para tornar
a ser uma influência positiva para a grande massa oscilante, como quando
um enorme contingente dos que hoje confiam suas aspirações democráticas à espada
de Moro foram, a seu tempo, jovens admiradores de Lula, o metalúrgico, aliados
de sua classe, simpatizantes do seu partido e mais tarde seus eleitores, tudo
de maneira a manter isolados, pela via da educação política das
multidões, os reacionários irredimíveis, ou, como se diria na linguagem
preferencial do atual PT, "o maior partido de esquerda da América
Latina", e de seguidores mais ou menos desavisados que preferem
rotular antes de debater, de compreender, de diferenciar, de
testar e de se explicar, a "separar o trigo progressista do joio
fascista".
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2016-02-22
In God we trust
Excepcionalismo americano não é, como se acredita, para bem e para mal, a doutrina da singularidade do desenvolvimento histórico dos EUA e seu corolário triunfalista, o "destino manifesto" do país como eldorado e cidadela mundial das liberdades civis.
Excepcionalismo americano é a esquisitice nacional manifesta na volúpia da vida suburbana, na paixão pelo ludopédio jogado com as mãos e, last but not least, no sistema eleitoral mais estapafúrdio e antidemocrático do mundo dito civilizado - o qual só será reavaliado no dia em que as convenções Democrata e Republicana produzirem um disputa tão insólita e incerta como seria, por exemplo, Bernie Sanders vs. Donald Trump, caso em que esse mesmo excepcionalismo talvez seja invocado para anular-se Democrática e Republicanamente todo o processo e convocarem-se novas Convenções a cargo exclusivo dos "superdelegados".
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https://avebarna.blogspot.com/2016/02/in-god-we-trust.html
2015-12-25
Convergência de alto risco
A operação conjunta dos governos federal e municipal do Rio
de Janeiro para salvar a Saúde do estado é também, e sobretudo, uma operação de
salvamento do governo Dilma, uma vez que a batalha do impeachment,
momentaneamente vencida com o reagrupamento do PMDB fluminense ao redor do
governo, a decisão do STF quanto ao rito parlamentar e o W.O. da oposição nas
domingueiras anti-Dilma de dezembro, poderia facilmente desandar com um mais do
que compreensível surto de descontentamento popular contra o
governador Pezão, este sim, merecedor de impeachment em rito sumário por
gestão financeira irresponsável e descaso criminoso com a saúde pública -
direito elementar da classe trabalhadora.
Falando nisso, o estrondoso sucesso do Museu do Amanhã - leia-se Fundação
Roberto Marinho - aparece de súbito como tábua de salvação da Caixa Econômica
Federal - leia-se Governo Federal - e Cedurp - leia-se Governo
Municipal - em face da tríplice atribulação do Porto Maravilha, a saber, o
encalhe dos direitos de edificabilidade (CEPACs) adquiridos em lote único pela
CEF, a lavajatização das empreiteiras consorciadas na Concessionária Porto Novo
e a suspeitíssima intermediação de Eduardo Cunha na liberação de recursos do
FGTS para obras a cargo de uma empreiteira Carioca.
É assim que a Circunstância, essa trocista incorrigível, acaba de tecer no Rio
de Janeiro uma inesperada teia de interesses convergentes entre os executivos
federal, estadual e municipal, o PT nacional, o PMDB fluminense e as
Organizações Globo.
Eu espero, de coração, que os ativistas e
seguidores bem-intencionados do PT, nalgum dia não muito
distante e por força da mesma "causa maior" que já os obrigou a
entubar Sarney, Meirelles, Temer, Levy e Cunha e acaba de converter Pezão &
Paes em paladinos da democracia e do progresso social, não se
vejam na dolorosa contingência de ter de ficar de boca fechada, ou se
fazer de desentendidos, para aliviar a barra dos Irmãos Marinho.
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2015-11-25
Esquerda vou ver II
Lula nunca escondeu que sempre desconfiou da esquerda – e ninguém há de negar que lhe sobram bons motivos. Quando fundou o Partido dos Trabalhadores – se bem me lembro –, o fez para que a sua classe tivesse voz própria na cena política e achasse o seu próprio caminho em meio às infindáveis batalhas ideológicas das velhas organizações.
Mas parece ter mudado de ideia, porque não apenas nunca mais usou o termo “classe trabalhadora” – diria até que passou a fazer questão de evitá-lo – como aceitou de bom grado que os intelectuais do PT o redefinissem como um partido “de esquerda”, o “mais importante do país”, que “se apoia” na classe trabalhadora – como diz a resolução de seu penúltimo congresso.
Talvez Lula tenha encontrado na cúpula do PT, ou selecionado para a função, uma esquerda que considere afinada com os interesses de sua classe de origem e apta a conduzir a sua política.
Ou talvez acredite que, por ser o líder máximo do PT e concentrar em sua pessoa a representação da própria classe, é esta que – desde a fundação do partido – continua a “se apoiar” na esquerda, e a dirigi-la, pense a esquerda o que quiser pensar.
A terceira possibilidade – mais provável – é que nem a classe trabalhadora nem a esquerda signifiquem, a essa altura, coisa alguma para Lula, somente “o Brasil”, cuja história há de ser redefinida segundo um “antes” e um “depois” do ano-referência de 2003, pelo fato elementar de o país jamais ter tido um presidente como ele!
2015-11-16
O sobrenome da Rosa
O pasmo, o horror e a náusea, inegavelmente intensificados pelo sentimento de que, em Paris – diferentemente de Beirute, Bagdá, Sudão e Sinai – os massacrados eram meus iguais, gente da minha cultura e da minha classe social, não são, contudo, suficientes para me fazer confundir os parisinos, em especial a sua juventude e os seus assalariados, com o Estado francês, um dos principais responsáveis pelas catástrofes econômicas, políticas e sociais que há pelo menos um século dilaceram a África, a Ásia e o Oriente Médio.
O jihadismo islâmico contemporâneo é uma degeneração histórica do nacionalismo laico e mais ou menos democrático pan-árabe, sistematicamente desmoralizado por derrotas em mãos de xeiques, generais, sicofantas e todo tipo de espiões a soldo das potências norte-atlânticas sedentas de petróleo, mercados e poder estratégico, sob a ativa supervisão, a partir de 1948, do Estado dissimuladamente teocrático e racista, além de atômico clandestino, de Israel.
O fascínio exercido pelo terrorismo jihadista contemporâneo sobre segmentos da juventude islâmica emana, não por acaso, da Revolução Iraniana de 1979, vitória histórica única e tardia do mundo muçulmano contra as potências coloniais, cristalizada não mais no Estado parlamentar democrático divisado em 1952 por Mossadegh, mas no novo Estado teocrático política, cultural e militarmente dirigido pelos aiatolás xiitas.
Sob a égide de grupos políticos e paramilitares constituídos para a defesa desse Estado, como o Estudantes Islâmicos Seguidores do Imã – responsável pelo longo e momentoso sequestro dos funcionários da embaixada americana em Teerã, em novembro de 1979 - e outros associados à Guarda Revolucionária Iraniana, acostumados a se exibir com detonadores e explosivos atados à cintura, o nome deste ramo do islamismo entrou para o vocabulário mundial como sinônimo de “radical”, “anti-americano” e, por ilação, “terrorista”.
Por ironia - essa favorita da História -, o Estado Islâmico, ou ISIS, ou Daesh, é tido como um desdobramento direto da decisão de George Bush e seus pares de destruir, por motivo fútil, a casta burocrático-militar sunita de seu antigo peão Saddam Hussein. A Casa Branca é, pois, a principal animadora da nova convergência de objetivos e métodos entre antigos jihadistas xiitas pró-Khomeini, hoje em relativo desprestígio, com novos jihadistas sunitas ligados a Saddam.
Em perspectiva, é impossível evitar a ideia reflexa de que os ovos dessa serpente foram postos pelos titulares do Eliseu, de Downing Street, de La Moncloa e da Casa Branca a chocar nos vastos depósitos de miséria, precariedade e desemprego crônico do Oriente Médio, de onde sua prole acabou transportada, como por um inevitável efeito bumerangue do colonialismo da era da Internet, para os subúrbios empobrecidos de Madri, Londres e Paris.
O terrorismo político não nasceu ontem – mas, no mundo islâmico, aumentou vastamente o seu poder de destruição na proporção direta da disseminação do tráfico de armamentos financiado pelo petróleo e da democratização da violência proporcionada pela ideologia do martírio individual em nome da fé.
A única via para a sua superação é a elevação rápida, generalizada e sustentável dos níveis de vida material, política e cultural das nações árabes e islâmicas, algo que as potências estrangeiras, seus bancos, petroleiras e empreiteiras levam já um século tratando de impedir pelas vias da partilha territorial, da guerra delegada, do golpe de Estado e da repressão a cargo de suas castas sociais favorecidas.
O maior e mais eficaz inimigo histórico do terrorismo é, há muito tempo, o movimento socialista – e por uma razão simples: trata-se da única perspectiva capaz de, no mundo moderno, satisfazer a ânsia dos jovens por soluções solidárias, terrenais e sustentáveis, educando-os para a luta aberta, de massas, pelo poder político. O terrorismo islâmico floresceu, inquestionavelmente, no vácuo de poder político e autoridade ideológica - espúrios e em estado degenerativo terminal, não esqueçamos - criado pela agonia e morte do Estado burocrático herdeiro da revolução socialista de outubro de 1917.
Por isso, nada hoje é mais ensurdecedor do que o silêncio conivente das velhas organizações da classe trabalhadora com os chefes democráticos “esclarecidos” dos Estados norte-atlânticos; nada mais angustiante e opressivo que a exposição total e incontestada das multidões urbanas de todo o mundo aos apelos histéricos de seus governos por uma guerra total contra “inimigos da liberdade” nascidos e criados nos depósitos mundiais de lixo econômico de Wall Street.
O leitor não encontrará neste blog palavras de apoio às cruzadas civilizatórias da "comunidade internacional" contra os povos árabes e islâmicos, quer sejam lideradas por Cameron, Merkel, Rajoy, Putin, Hollande ou Obama!
Aos mortos no estúpido massacre de Paris, Uma estranha e gigantesca ave sobre Barcelona dedica uma Rosa, de sobrenome Luxemburgo: ou será o socialismo – libertário e internacionalista, desembaraçado pelas novas gerações de trabalhadores da abjeta submissão socialdemocrata aos donos do dinheiro e da infame adicção filoestalinista às engrenagens do Estado - ou a barbárie - da competição predatória entre conglomerados parasitários dos Estados nacionais, de suas devastações econômicas e militares recorrentes, da ideologia da guerra econômica permanente de todos contra todos e da destruição sistemática e inexorável do único planeta que temos para viver.
A redação deste ex-abrupto foi disparada pelo desconforto do blogueiro com uma mensagem recebida do Avaaz com os dizeres "Os ataques em Paris e Beirute tiveram um motivo: desestabilizar a base de nossas sociedades".
Acesse o original ilustrado pelo link
2015-08-14
We can’t breathe!
Dilma está certa e seu mandato deve ser defendido.
A vasta maioria de seus adversários no Congresso Nacional, na imprensa, na TV e quem sabe até no judiciário não pode ostentar uma migalha de sua honestidade pessoal e sua dignidade política - para não falar do voto legitimamente conquistado.
Mas quem irá fazê-lo? Como? Em nome de quê?
Ainda mal restabelecido dos abalos do "mensalão" e do profundo mal-estar nacional revelado, em junho de 2013, com os privilégios concedidos às concessionárias de transportes, à FIFA e às empreiteiras contratadas para construir a infraestrutura da Copa e das Olimpíadas, o país é agora violentamente sacudido por uma nova tragédia - de dimensão histórica: a Petrobrás, maior empresa do país e símbolo de sua luta por independência econômica, está sendo destruída por uma predatória disputa de contratos entre as empreiteiras que medram sob a proteção do Estado brasileiro, ora pela via da cartelização ora pela via da guerra de propinas, sob as barbas (na melhor das hipóteses) ou a égide (na pior) do governo liderado pelo partido cujo nome reivindica a representação política da classe trabalhadora.
A espessa nuvem de sensacionalismo midiático e exploração política da Operação Lava-Jato revela, com certeza, para além da necessidade de vender notícias, a evidente ânsia das elites brasileiras - empresariais e jornalísticas - de se vingar dos trabalhadores, na figura do PT, pela audácia de marcar indelevelmente a Nova República com a criação de um novo partido de classe, arauto de uma nova democracia e, quem sabe, de um novo socialismo. Nenhum privilégio, nenhum benefício, nenhuma boa-vontade as apaziguará, independentemente do que creiam ou esperem os líderes do PT.
Mas isso não apaga a dimensão mais imediata e perturbadora da Lava-Jato: uma espécie de exorcismo público da tomada do Estado brasileiro por um pequeno comitê de empreiteiras, bancos e concessionárias envolvidas até o pescoço nos trâmites da economia mundial parasitária da especulação financeira, petroleira e urbano-imobiliária. O Brasil que a Lava-Jato desentranha já não é a República dos Marajás, mas a República das Empreiteiras.
Levada pela própria dinâmica da integração do país na economia mundial, a Nova República, que já nascera conservadora e imobilista, veio a engendrar, pela mão de FHC e – desgraçadamente – de Lula e Dilma, um Estado em vias de privatização total. Nenhum programa social de sucesso, nenhum feito desenvolvimentista, nenhum ganho histórico de salário pode esconder essa contradição básica da política petista.
Encarar esse fato é, para Dilma, condição sine-qua-non para enfrentar a crise e sair dela.
Para o PT, também, mas é provável que o momento da mudança tenha ficado irremediavelmente para trás.
Já faz muito tempo que a liderança histórica do PT abandonou a sua classe – convertendo-a, com a ajuda do imposto sindical e das políticas sociais do governo, em mera clientela – e saiu em busca de uma nova base social.
A terra onde medrou o Partido dos Trabalhadores foi salgada a tal ponto que nenhuma liderança digna de nota ali surgiu ao longo de todos esses anos. Nenhum novo líder fabril ou sindical petista surgiu para questionar a aliança estratégica com o PMDB e o pacto Lula-Sarney-Meirelles; nenhum movimento de base trouxe a público a sua indignação com os métodos espúrios de construção da base parlamentar do governo, com o valerioduto, com os aloprados, com a degradante simbiose governo-PT-empreiteiras, com os privilégios concedidos ao COI e à FIFA, com o pânico, seguido de hostilidade aberta, da cúpula petista em face do tsunami democrático de junho de 2013, com a nefasta tática eleitoral de destruir Marina Silva em benefício do morto-vivo Aécio Neves, com o pacto recessivo Dilma-Levy e, finalmente, com a suprema desmoralização que é, para a classe trabalhadora, o propinoduto da Petrobrás.
Encurralado pela mesma operação policial que pôs na cadeia a nata do empresariado brasileiro - sócios preferenciais do Estado - e do governo - o Partido dos Trabalhadores agoniza. O PT poderá sobreviver - como o partido parlamentar “de esquerda” que apregoam as resoluções de seus congressos, como o PTB do século XXI, como social-democracia à moda latino-americana -, mas já não poderá reivindicar, muito menos exercer, o papel de representação política da classe trabalhadora.
O naufrágio do PT deixou a classe trabalhadora à deriva e as novas gerações de brasileiros à mercê dos mercadores de ilusões do Congresso, da grande imprensa e da TV. Este parece ser o fator crítico da situação atual.
O resultado da desorientação geral é a ascensão de Cunha à presidência da Câmara, de Calheiros à presidência do Senado, de Temer ao lugar de fiel da balança da ordem social e política e da Lava-Jato ao papel de entidade mais popular do país. Em tais condições, não seria surpreendente se, amanhã, um novo tsunami democrático desgovernado levasse Dilma de roldão e depositasse inadvertidamente o poder, como no Egito, no colo da reação policial-militar.
Isolada dos trabalhadores e da juventude do país, Dilma se sente obrigada a apelar à legitimidade democrática de seu mandato e a ampliar as concessões ao poder econômico. A seu favor conta a pouca disposição de grande parte dos líderes empresariais – beneficiários de primeira fila dos negócios do Estado, mas carentes crônicos de representatividade política perante a nação – para abrir a caixa de Pandora do impeachment e entregar o poder aos atuais chefes do gangsterismo parlamentar. É pouco. Muito pouco.
Eu penso que, para defender seu mandato, reivindicar sua dignidade política e lançar um jato de ar puro sobre a nuvem tóxica que sufoca o país, Dilma deveria pensar em liderar, com o PT ou sem ele se for preciso, um movimento por uma Assembléia Constituinte soberana, com direito a candidaturas oriundas de movimentos trabalhistas e populares e livre da interferência do poder econômico - que envenena a democracia - para desprivatizar a República!
Chegamos a um impasse. O Congresso faliu há muito tempo e a combalida Presidência repousa sobre uma frágil maioria eleitoral. A democracia precisa ser refundada no Brasil. E a classe trabalhadora precisa desse espaço para ter a chance – pelo menos a chance! – de resgatar a sua identidade e reconstruir a sua representação política. É essa a maior contribuição que eu espero, hoje, da presidenta que ajudei a eleger.
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2015-04-24
"A culpa é da Dilma!"
Preocupado, por força das circunstâncias, mais com o bosque do que com a árvore, o recente alerta do FMI para as perspectivas nada auspiciosas das economias latino-americanas tem o mérito de explicar ao público que as razões essenciais da recessão brasileira não são - como se tornou moda deduzir, por ilação, dos cambalachos revelados pela Lava Jato - “culpa da Dilma”, mas fundamentalmente o produto de processos derivados da internacionalidade do sistema econômico, o principal deles “a desaceleração da China [que] tem tido efeitos negativos sobre os preços das matérias primas em todo o mundo” (O Globo online 12-04-2015).
Quando muito, considera o FMI que “particularidades internas acentuam [itálico nosso] os problemas econômicos [brasileiros]: desafios de competitividade que não foram enfrentados [leia-se precarização do trabalho, que aliás está sendo providenciada], o risco de racionamentos de energia e água no médio prazo e os desdobramentos da investigação da Petrobras”. (O Globo online 14-04-2015). Sequer o desajuste fiscal - causa fundamental, recorrente e corriqueira dos nossos problemas no entender do doutor Delfim Neto (“Nada de novo sob o sol…”, Valor Econômico 07-04-2015) - é mencionado.
De fato, nunca se ouviu dos chefes do FMI, tampouco dos analistas de economia da grande imprensa nacional, críticas, por exemplo, aos generosos gastos governamentais com o investimento de capital necessário à realização da Copa do Mundo, dos Jogos Olímpicos, do Porto Maravilha e até do Comperj, que só entrou na lista negra da mídia depois que o fluxo de dinheiro entre o governo e as empreiteiras emperrou. Como já dito em algum outro lugar deste blog, a contradição da nossa classe dominante com o gasto público é seletiva: só são “excessivos” os gastos que não a beneficiem direta e imediatamente e, obviamente, o conjunto dos gastos depois que todo mundo esqueceu em que foram feitos.
O FMI não diz, nem poderia, mas a leitura do noticiário econômico - sobretudo na imprensa europeia - permite deduzir que as circunstâncias desfavoráveis à América Latina fazem parte de um ambiente econômico planetário extremamente adverso e instável, em que mesmo as avaliações momentaneamente positivas de países como Estados Unidos, Inglaterra e Espanha se fazem geralmente acompanhar de ressalvas relacionadas à baixa dos salários, à precariedade do emprego, ao aumento irrefreável da desigualdade e, por último mas não menos importante, a uma apreensão mais ou menos generalizada com o destino do oceano de títulos de dívidas públicas que hoje constitui a “substância” de boa parte da riqueza privada mundial. Uma situação a tal ponto esdrúxula que o risco de calote da Grécia (0,32% do PIB mundial e 1,3% do PIB da UE) é uma permanente ameaça de pânico nas bolsas de todo o planeta! Um avião lotado de passageiros, sem GPS, com piloto e co-piloto trancafiados no lavatório e o trem de pouso avariado - parece uma metáfora adequada para o capitalismo do século XXI, produto da competição predatória entre redes virtualmente indecifráveis de potentados financeiros, oligopólios industriais e seus Estados nacionais associados pela valorização dia a dia mais problemática dos respectivos capitais.
Se culpa tem Dilma Rousseff - o PT nem se fala -, não é, definitivamente, a de ter causado a desaceleração chinesa e a queda dos preços das commodities, mas a de não ter alertado o seu eleitorado, e a classe trabalhadora em especial, para as inevitáveis turbulências econômicas vindouras e a consequente necessidade de estarem preparados para defender suas conquistas.
Dessa responsabilidade, evidentemente, os analistas econômicos VIPs não querem nem ouvir falar: afinal, a economia é, para eles, um processo tão natural quanto a gravitação universal e a evolução as espécies, restando aos ignorantes cidadãos comuns nada além de entoar loas, nas boas colheitas, aos senhores do século por sua sábia governança e, nos eventos catastróficos, orar pela misericórdia dos céus.
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2015-04-16
1 As domingueiras anti-governamentais e globo-patrióticas de abril confirmam que a burguesia brasileira segue sendo, como liderança social e histórica, um mal-entendido: o seu sócio preferencial é o Estado, a sua grande força de sustentação a inércia, o seu posto político favorito a moita e os seus autênticos heróis os candidatos que disputam, a cada quatro anos, a corrida eleitoral à Casa Branca.
2 O pretenso líder conservador Aécio Neves é um morto-vivo político, que só teve 49% dos votos válidos porque os estrategistas do PT, primeiro, e logo a "desconstruída" Marina Silva, em pessoa, se encarregaram de depositar em seu colo milhões de votos de gente trabalhadora e progressista de boa fé, por isso mesmo desconfiada das reinações da alta burocracia petista com o financiamento da própria sobrevivência política.
3 Em face dos percalços econômicos, o governo Dilma aderna à direita não por causa do peso político do empresariado (vale lembrar que a cúpula das grandes empreiteiras está recolhida aos costumes e/ou negociando delações premiadas), mas porque o Partido dos Trabalhadores se desquitou, faz tempo, de sua base social originária para poder flertar, livre, leve e solto, com camadas mais afluentes - e volúveis - da sociedade brasileira, das quais se tornou, obviamente, refém. E o que é mais, manobras de retorno ao ninho, por não serem sinceras, mas forçadas pelas circunstâncias, tenderão a produzir resultados canhestros.
4 Perplexa com os extravios do partido fundado por seus progenitores, a rejuvenescida classe trabalhadora brasileira aguarda, apreensiva, o impacto da marcha atrás no ritmo da atividade econômica sobre a sua recém-adquirida bonança. Só então a montanha se moverá. A incógnita, em qualquer caso, é de onde virão - se é que virão - e por que tipo de ideias se guiarão as suas novas lideranças.
5 A Operação Lava-Jato é, seguramente, no momento, o partido mais popular do Brasil.
6 “A natureza detesta o vazio” (Aristóteles).
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2015-03-31
Os prós e os contras
Semanas de manifestações pró e contra Dilma. Sintomáticas,
mas ainda periféricas. As manifestações pró-Dilma não parecem ter mobilizado
muito mais do que o aparato do PT e sua área de influência direta, quase toda
ela dependente, de uma ou outra forma, do Estado. A presença da CUT e
sindicatos não deve ser superestimada: a estrutura sindical de hoje é ainda
essencialmente a mesma que foi herdada pelo PT do tempo dos pelegos do Ministério
do Trabalho, pensionista do imposto sindical.
De todo modo, essas manifestações só existiram como reflexo
defensivo de um aparelho estatal e partidário empurrado contra as cordas pelo
escândalo da Petrobrás.
O governo Dilma é fraco, e não apenas por ter perdido de
pouco, mas por ter ganhado onde menos é relevante o peso do operariado
industrial e, sobretudo, por ter quase perdido para o morto-vivo eleitoral da
burguesia, a quem a cúpula petista se aliou tacitamente para não ser atropelada
pelo “efeito Marina Silva”.
O fim da corrupção nos negócios do Estado é uma aspiração
democrática legítima. Democracia significa, dentre outras coisas, que os
assuntos públicos devem ser tratados com transparência, que as leis devem ser
respeitadas e que aqueles que comprovadamente as transgridem devem ser
devidamente julgados e punidos.
As manifestações anti-Dilma têm sinais contraditórios. Por
um lado, expressam o descontentamento legítimo com práticas que a maioria dos brasileiros
tem todo o direito de julgar inadmissíveis em qualquer caso e muito mais sob os
governos do Partido dos Trabalhadores: a corrupção e a dilapidação do
patrimônio do Estado. Não se trata de que os trabalhadores são santos, mas de
que essas licenças não são, definitivamente, parte constitutiva da sua
psicologia política, muito menos de sua perspectiva histórica!
Por outro, elas traduzem a malversação oportunista, por
parte da grande imprensa, da cessação do crescimento econômico - que teria como
causa fundamental não a anarquia do mercado mundial, mas equívocos da gestão
econômica petista. A leniência dos governos do PT, por dolo ou omissão, com o
pagamento de propinas a políticos e altos funcionários de empresas estatais,
torna mais ou menos automática essa ilação.
Aqui, desgraçadamente, é o feitiço se voltando contra o
feiticeiro, uma vez que os sucessivos governos do PT infundiram na população a
crença de que o crescimento econômico existiria para sempre desde que Lula
estivesse no poder, ou seja, de que Lula tinha o poder mágico de conjurar as
crises espasmódicas do sistema capitalista. Os governos petistas não apenas
iludiram a sua base social original com respeito aos limites da sua ação como
deram aos seus inimigos os meios de culpá-los pelo desarranjo da economia que
eles garantem ser não apenas a mais eficaz como a única possível - crise cujo
ônus, por ironia, cabe ao governo Dilma administrar.
Ou seja, o PT acaba triplamente maldito: por coonestar com a
corrupção, por causar a crise econômica e por lhe caber a administração dos
remédios amargos necessários à retomada do crescimento nos termos do capital
monopolista.
A incógnita continua sendo a classe trabalhadora, ausente
como tal da vida política desde que foi descartada por Lula como um fator de
perturbação do consenso social. No Brasil, país em que sindicatos e partidos da
classe trabalhadora são pouquíssimo enraizados, a concertação social tende a se
materializar na figura do presidente eleito que a todos representa. Da classe trabalhadora
que, na década de 1980, levou Lula ao centro da vida política nacional, só
restam os aparelhos domesticados pelo Imposto Sindical. E mesmo estes o partido
só convoca em situações extremas, como agora, para contrabalançar os efeitos
negativos das manifestações anti-Dilma de 15 de maio.
A tendência é que Dilma, para se proteger, se descole do
aparelho partidário - refletindo, à sua maneira, o movimento de Marta Suplicy
-, uma vez que lhe cabe o ônus de "fazer o dever de casa" sem que o
partido lhe possa dar guarida nessa questão. Ao contrário, a tendência do
aparelho do partido é se mover, como por reflexo, no sentido do “volta Lula”, o
único movimento capaz de, em tais circunstâncias, manter a sua coesão.
Redesenhado para ministrar justiça econômica em uma economia
de crescimento ininterrupto, o PT, na crise, nada tem a oferecer ao país além
da união nacional em torno de Luís Inácio da Silva, o social-democrata
carismático, singularíssimo amálgama histórico de Getúlio, o pai dos pobres,
Juscelino, o desenvolvimentista e Lula, o metalúrgico.
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2015-03-21
Divórcio à vista?
A grande ausente na cena política brasileira parece ser, agora como em junho de 2013, a classe trabalhadora. Claro está que não vejo como “a classe trabalhadora presente na cena política” os aparatos sindicais e suas áreas de influência imediatas mobilizados na última sexta-feira 13 para defender o governo Dilma das pechas de corrupto e incompetente.
Esse fato admite, por certo, uma mescla de interpretações conjunturais, estruturais, econômicas, sociológicas, antropológicas e até históricas. Mas como este blog não é capaz de ir tão longe, nem tão fundo, eu prefiro seguir a pista das declarações que vêm saindo da boca da presidente, dos chefes petistas e até do presidente da câmara, a indicar que "a corrupção no Brasil não nasceu ontem e suas raízes contemporâneas estão fincadas no governo FHC”.
Em face de tal álibi, um jovem trabalhador interessado na vida da nação (atitude rara no seio do patronato, é bom que se diga) poderia pensar: “Certo. A privataria tucana. Ouvi falar dela quando era criança. Mas o que é que o partido que pretende representar a minha classe social andou fazendo esse tempo todo que não moveu uma palha para investigar os malfeitos herdados nem para acabar com a corrupção vicejante bem debaixo do seu nariz e ao abrigo de suas próprias nomeações políticas?"
Convenhamos: para qualquer trabalhador que, embora não frequente os círculos sindicais, ainda se considere representado pelo PT e seus governos, há de ser profundamente desmoralizante que tenha cabido à polícia e à justiça a tarefa de trazer à tona uma rapinagem tão evidente e escabrosa como o propinoduto da Petrobrás, dando à grande imprensa e ao patronato mais uma imperdível oportunidade de expô-la à nação como uma tara original do movimento a que hoje eles se permitem o luxo de chamar sarcasticamente de "lulopetismo"!
É difícil, a essa altura, imaginar um bom motivo pelo qual a classe trabalhadora brasileira sairia espontaneamente em defesa de um governo seriamente suspeito de conivência interessada - ainda que por motivos de financiamento de campanhas eleitorais - com a indústria da corrupção. E o que é pior, reincidente!, se considerarmos que Lula e Dilma são a continuidade do mesmo movimento histórico.
E a ironia da história é que, justo no momento em que mais precisa da classe social que seu nome diz representar para enfrentar as hienas de plantão - porta-vozes de um empresariado que sempre, e ainda mais depois que inúmeros de seus executivos foram apanhados com a boca na botija, preferiu o anonimato (e a boa vizinhança com os quarteis) - o Partido dos Trabalhadores se vê na contingência de ter de responder com as armas do adversário a uma crise econômica que até as pedras sabiam que um dia iria chegar. Ou alguém pensa seriamente que, no capitalismo contemporâneo, um país está livre de ciclos recessivos e freadas bruscas só porque os especialistas em negociações trabalhistas e arranjos parlamentares ocupam os postos-chaves do poder político?
Pois este mesmo governo está prestes a pedir à classe trabalhadora, por meio do ministro banqueiro, que pague a conta de um programa de gastos públicos que, se bem lhe proporcionou uma boa década de emprego seguro e recuperação salarial, foi amplamente moldado pelas necessidades de um pequeno comitê de empreiteiras, concessionárias, incorporadoras, bancos e multinacionais do entretenimento esportivo.
Como esquecer que as reivindicações da meia-passagem e da abertura das contas das concessões de transportes estiveram na base da surpreendente revolta de junho de 2103 - um quase incêndio nacional inflado pelo imenso mal-estar político com osgastos para a Copa do Mundo e os incríveis privilégios concedidos às empreiteiras e à FIFA?
Aviso, portanto, não faltou.
Eu acredito que o trabalhador comum continua muito mais interessado em encher a panela do que em fazer dela tamborim, o barulhento passatempo que anda mobilizando - não sem alguma razão, é preciso admitir - os bairros mais valorizados e bem aquinhoados de serviços das grandes cidades. Mas, cá entre nós, em nome do quê ele irromperia na cena política, como membro de sua classe, sem sequer ter sido chamado e justo na pior hora, anos depois de dispensado pelas lideranças de seus pais como um traste obsoleto, uma presença inoportuna no banquete do desenvolvimentismo socialmente concertado?
Meu palpite – porque em coisas do coração nunca se pode ter certeza – é que a classe trabalhadora brasileira está irremediavelmente estranhada com o seu partido, e pelo pior dos motivos: anos de indiferença e autoindulgência com boemia, esbórnias e infidelidades, agravos que, como todo mundo sabe, não só não se reparam com casa, comida e roupa lavada como deixam ressentimentos difíceis de curar.
Resta saber quão prolongado e doloroso será o divórcio. E, caso ele se consume, se a rejuvenescida senhora pretenderá, um dia, tornar a casar.
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2013-06-24
Congresso Constituinte Já!
(Publicado no facebook em 24-06-2013)
Aqui, na minha lista de amigos do facebook, tem gente de todas as linhas de pensamento. Por exemplo, tem admiradores incondicionais e adversários ferrenhos do governo Dilma Roussef. A imensa maioria não é nem uma coisa nem outra, talvez até seja as duas coisas ao mesmo tempo – o que nada tem de estranho, diria até que, nas circunstâncias, é bastante saudável. Mas somos todos importantes, todos temos o nosso lado da história para contar e ser ouvido.
(Jamais compartilhei, e serei adversário até a morte, da sociologia metafísica dos atuais dirigentes do PT, que fornecem aos seus seguidores um prisma através do qual o mundo sempre aparece dividido dois reinos: governo e oposição, esquerda e direita, democracia e fascismo. O adepto é obrigado, o tempo todo, a classificar tudo o que vê, imediatamente, em algum desses dois campos, morto de medo de ser classificado pelos próprios gurus com o rótulo “errado”. Não espanta que, diante de um imenso tsunami político como o que estamos vivendo, esses dirigentes entrem em pânico e suas bases se quedem perplexas. A cúpula do PT e seu séquito de teóricos deixa aos maus escritores a tarefa de lembrar às pessoas que a realidade é feita de infinitos tons de cinza.)
Contudo, tenho, como todos, os meus critérios. Com base neles, acabo de defenestrar da minha lista um óbvio provocador que vem publicando mensagens convocando à “greve geral para mostrar quem manda no país” aos berros de “fora Dilma”. Sugiro que todos façam o mesmo. Deve haver por aí muitos outros, mas tenho coisa melhor para fazer.
Permitam-me, para terminar, esclarecer que rompi com o PT, jamais serei defensor incondicional de um governo PT-PMDB, mas sempre defenderei, do meu modesto posto de observador virtual, e à minha maneira, o que entendo serem conquistas democráticas e sociais encarnadas nas figuras e cargos políticos de Lula e Dilma contra a plutocracia brasileira e seus advogados no governo, no Congresso, no judiciário, na imprensa e nas ruas.
É por isso que acho que está na hora de pensarmos em um Congresso Constituinte. Sinceramente, não vejo como resolver passe livre, aborto, Estado laico, contratos de serviços públicos, reforma agrária, distribuição da renda da terra urbana, distribuição de royalties das riquezas do subsolo e tantas outras coisas democráticas com este congresso que temos. Dilma representa até aqui, creio, a vontade da maioria. Mas este congresso está morto. Só falta deitar.
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2012-01-05
Todas são primaveras, umas mais floridas do que outras
A pressão das classes dominantes estadunidense e norte-européias sobre o mundo árabe-muçulmano vem aumentando na razão direta da profundidade do atoleiro em que se debate o capital na era da finança globalizada.
Inquietos, os povos do mundo sentem crescer o ritmo da coreografia macabra que os EUA, a Europa e Israel executam ao redor do regime dos aiatolás, e se perguntam: no Afeganistão, teria sido por causa da destruição das torres gêmeas de Nova York; no Iraque, das míticas armas de destruição em massa – e ambos os países estão hoje em ruínas; no Irã, será por causa do programa nuclear – exclusividade na região, por "direito de império", dos generais paquistaneses e fanáticos israelenses amigos do “Ocidente”. Quando é que esse pesadelo vai acabar? Quando o petróleo secar?
A pressão se manifesta em todos os terrenos: militar, econômico, diplomático, político e cultural. A intervenção militar seletiva e oportunista dos Estados centrais e OTAN nas revoluções democráticas em curso na região – cujo exemplo mais claro foi a Líbia, podendo se repetir na Síria – é apenas um dos meios de que a finança global lança mão para se apossar, com um mínimo de “custos de intermediação”, da totalidade das reservas de petróleo da região e eliminar focos de resistência ao seu domínio sobre os recursos essenciais disponíveis no mundo. Hoje é o petróleo; amanhã poderá ser... a água.
Para tapar o buraco legado pela explosão da bolha financeira de 2008 e se recapitalizar sem levar à ruptura – o que é muito importante – o sempre delicado equilíbrio social europeu, a finança globalizada, em sua desesperada fuga para diante, parece procurar instintivamente a ampliação rápida e radical de seu domínio sobre as fontes mundiais de petróleo.
Não lhes basta o petróleo que já têm sob controle: os países centrais precisam desesperadamente de todo o petróleo disponível nos depósitos do Norte da África e Oriente Médio, seja para seguir movendo a custo relativamente baixo a sua decadente e insustentável indústria automotiva – razão pela qual outra frente de guerra já está aberta, sobretudo nos EUA, contra o ambientalismo em geral – seja para dar novo lastro à espiral de valorização parasitária de seus capitais à base de securitização de contratos e especulação imobiliária, os verdadeiros motores dinâmicos da economia de mercado contemporânea.
Para o capital globalizado, trata-se somente de sobreviver, não importando que arraste consigo o planeta inteiro à ruína - econômica, política, cultural e, finalmente, ambiental.
Como brinde pela conquista do acesso ilimitado ao petróleo, as potências almejam também, é claro, incorporar ao mercado mundial por elas controlado todos os fatores de produção (capitais, terra, mão de obra) e potenciais mercados árabes consumidores de capitais e mercadorias, eventualmente bloqueados pela vigência de instituições remanescentes dos movimentos de independência nacional do segundo pós-guerra.
Este parece ser o cerne do conflito entre a finança global gravemente ferida, mas longe de morta, e os califados nacional-burocráticos resultantes da lenta, porém inexorável degeneração dos regimes herdeiros dos movimentos nacionalistas árabes do terceiro quarto do século XX.
Foi no marco do movimento nacional-desenvolvimentista conhecido, de maneira só aparentemente contraditória como pan-arabismo, que se afirmaram a República Árabe do Egito, governada por Nasser – que nacionalizou o Canal de Suez – a partir de 1953, a República Árabe da Síria (unida ao Egito entre 1958 e 1961 como República Árabe Unida) e, finalmente, a República da Líbia (unida ao Egito entre 1972 e 1979, como Confederação das Repúblicas Árabes); rebatizada como república "Árabe, Popular e Socialista” a partir 1969-1970, a Líbia de Kadafi nacionalizou bancos, empresas e os recursos petrolíferos do país.
A disputa, por parte da “comunidade internacional” (capital globalizado, Casa Branca, OTAN e grande imprensa), do significado da expressão “primavera árabe”, tem um sentido claro: dar à revolução democrática pan-árabe – que não aspira essencialmente senão a pão, terra, democracia e, como sempre, independência nacional – o significado de uma continuidade, mais que um eco tardio, da revolução democrática leste-européia que decretou o fim da burocracia soviética e restabeleceu o “livre” mercado nos países onde o essencial dele havia sido banido.
Trata-se, para esse simulacro de “comunidade internacional”, de convencer os trabalhadores e camadas médias do mundo inteiro de que o que querem a juventude, os trabalhadores e os pequenos proprietários árabes é se livrar dos restos de limitações à propriedade herdados do panarabismo e se ajoelhar de admiração ante os prodígios econômicos de Wall Street , da City e de Frankfurt.
Comparando-se a atitude da grande imprensa da “comunidade internacional” em face das revoltas democráticas na Tunísia, Egito, Bahrein, Qatar, Iêmen, Líbia, Síria etc. pode-se concluir: todas são primaveras, mas algumas mais floridas do que outras – conforme a afiliação política e histórica das respectivas famílias governantes.
No centro dessa encruzilhada está, porém, o Irã, um país muçulmano não árabe palco da mais tardia (1979), violenta e, em certo sentido, intrigante das revoluções nacionais do Oriente Próximo, erguida sobre os escombros da tradição nacionalista laica legada por Mossadegh (que nacionalizou o petróleo iraniano em 1952) mas também por Nasser, Kadafi e até por Arafat.
Por ser, talvez, a mais tardia do mundo muçulmano – sufocada durante quase 25 anos sob o tirânico reinado pró-EUA do xá Reza Pahlevi –, a revolução iraniana de 1979 marcou, por outro lado, a derrocada e submissão aparentemente definitivas do nacionalismo democrático laico e das pretensões pseudomarxistas do outrora poderoso, mas já então decadente Partido Comunista Iraniano (Tudeh). Com Khomeini, a revolução nacional e anti-imperialista começa a se converter, em todo o Oriente Médio, Ásia Menor e até na Indonésia – numa palavra, em todo o mundo muçulmano -, em “revolução muçulmana”, dando ao sentimento anti-imperialista uma forte conotação de resistência civilizacional.
Foi sustentando Reza Pahlevi até o limite do absurdo que os EUA e a Grã-Bretanha conseguiram a proeza de dar justificativa histórica, em fins do século XX, ao renascimento, no Irã, do Estado teocrático muçulmano, que emergiu como uma forma “ultra-sui-generis” de regime bonapartista apoiado sobre uma juventude intensamente radicalizada e uma milícia de extração popular cujas oscilações à esquerda lhe dão uma aparência nacionalista revolucionária e, à direita, claramente fascista.
Foi assim, creio, meio empurrado pelas circunstâncias meio por vontade própria de sua juventude revolucionária islâmica, que o Irã dos aiatolás se converteu em referência inevitável para toda revolução democrática árabe que não tenha uma liderança laica à altura das tarefas históricas a cumprir.
A teocracia iraniana é, para a dita "comunidade internacional", o inimigo a ser destruído. Não por ser teocracia, muito menos por seu caráter inerentemente conservador e antidemocrático – que a plutocracia estadunidense e os nobres financistas britânicos não estão nem aí para essas futilidades – mas por ser, em alguma medida, nacional e anti-imperialista e, até por questão de sobrevivência, mais que tudo anti-EUA.
Sabe Alá onde tudo isso vai dar!
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2011-11-26
Roda gira gira roda
Uma das maiores virtudes da revolução democrática pan-árabe tem sido, paradoxalmente, embaralhar todas as cartas da sociologia e da política, prisioneiras até hoje do marco geopolítico da Guerra Fria.
O movimento das multidões norte-africanas não se ajusta aos gabaritos ideológicos dominantes na segunda metade do século XX, tampouco respondem às cabalas com que os EUA tentam exorcizar as lutas democráticas e nacionais do século XXI, o “eixo do mal” e o “terrorismo”: ele se expressa de maneira igualmente impetuosa e radical contra os califados autocráticos sustentados pelas potências da OTAN e contra os califados burocráticos apoiados pela antiga URSS.
Não é provável que vá muito longe, pela simples razão de que, em nossa época, se revoluções podem ser desencadeadas com fragmentos de programa democrático de alcance nacional, em nenhuma hipótese poderão ser concluídas sem um claro programa socialista de alcance mundial, patrocinado pelo trabalhadorado reconstituído como classe habilitada a extinguir a sociedade de classes.
Em todo caso, a Primavera Árabe significa que a roda do movimento histórico à propriedade e controle social dos meios de produção e distribuição planetários, engripada pela ferrugem da burocracia contrarrevolucionária de Moscou, dita comunista, voltou a girar.
Não foi fácil de achar, em meio a disposições sobre a organização da
Presidência da República e dos Ministérios, a legislação da ANAC e da INFRAERO,
a autorização para contratação de controladores de tráfego aéreo e outros que
tais, mas lá está: pelo artigo 39, parágrafo único do RDC (Regime Diferenciado
de Contratações Públicas), o governo PT-PMDB-sei-lá-mais-o-quê – que apesar de
certas nefandas alianças teve, e ainda tem, o meu voto por uma questão de
perspectiva política e histórica que talvez um dia eu tente defender junto aos
meus leitores – propõe dar ao COI e à FIFA o direito de decidir quanto dinheiro
do Tesouro do Brasil eles irão gastar com seu coliseu itinerante!! (As
competições de alto nível são muito legais, leitor, mas se a gente pensar bem,
a Olimpíada, como sugere o próprio nome, não passa de um Cirque du Soleil de
semi-deuses do esporte).
Em postagem anterior, insinuei que episódios desse tipo guardariam estreita
relação com o “pacote de salvamento” que, por ocasião da quebra da roleta
financeira norte-americana em 2008, o insuspeito Joseph Stiglitz,
ex-economista-chefe do Banco Mundial, qualificou, em seu livro O Mundo em
Queda Livre, de “O Grande Roubo Americano”.
Não me tome, caro leitor, por filosoficamente cético ou pessimista. Posso lhe
assegurar, ademais, que estou feliz e de bem com a vida. Mas tenho cada vez
mais presente a sensação de que, num futuro que já deu a largada, os Estados
Unidos, indo daqui para lá, a China, vindo de lá para cá, com o Japão a
reboque, e a Europa, como sempre no meio do caminho junto com os emergentes
seus amigos, o Brasil incluído, acabarão misturados numa caótica sociedade
burocrática pseudo-capitalista e pseudo-globalizada controlada por
proprietários de imóveis, donos e executivos de bancos e gestores de fundos de
pensão, com poderes equivalentes ao de concessionários – como nos tempos da
tomada inglesa de Bengala – dos Tesouros dos Estados nacionais.
Tudo isso, é claro, em meio a cataclismos climáticos cada vez mais severos e
freqüentes.
O COI, a FIFA e congêneres garantirão que as nacionalidades continuem a ser
celebradas com a execução de seus hinos triunfantes nas batalhas desportivas e
os “homens bons” irão regularmente à igreja pedir à mão invisível do mercado
que assuma também o controle das intempéries.
Resumindo, uma louca mistura de 1984 com Rollerball e Blade
Runner.
Possibilidades alternativas certamente existem, mas acho que vai ser preciso,
de quando em quando, um showdown - em bom português, “botar o pau na
mesa”. Porque não vai ser só com boas maneiras que sairemos desse
imbróglio.
Já lá se vão 23 anos da assinatura dos protocolos de Kioto e a impressão que se
tem, a julgar pelas conferências de Copenhagen-2009 e Cancún-2010, é que o
planeta não tem pressa. O cidadão instruído faz a coleta seletiva direitinho,
nossas crianças aprendem a economizar água, os excluídos, porém honestos, dão
sua contribuição ao esforço mundial de reciclagem vivendo da recolha de
latinhas e o companheiro Minc faz das tripas coração com seus vistosos
coletinhos étnicos (nesse quesito ele poderia, como dizia a minha avó, dar o
braço ao companheiro Evo e sair correndo), mas os proprietários de terra estão
mais preocupados em derrubar a floresta e se lixando para o problema de onde os
pobres das cidades vão morar. Já os banqueiros, financistas e seus ventríloquos
à testa dos Estados ricos têm coisas mais urgentes a tratar (a solvência da
Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e... Estados Unidos!) do que o derretimento
das calotas polares, o desemprego estrutural, o planeta-favela e a economia
bandida. (Alguém duvida seriamente de que tudo isso são aspectos de uma única
sociedade planetária?)
Eu sugiro começarmos a pensar em democracias sem banqueiros (para que eles
servem, afinal? – indagaria o proto-funcionalista Aristóteles) nem
latifundiários rurais e urbanos e que os mesmos poderes soberanos dados no
Brasil ao COI e à FIFA sejam outorgados, no mundo inteiro, em caráter
experimental, ao Painel da ONU sobre Mudanças Climáticas! Pior do que está, eu
acho que dificilmente iria ficar.
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