Escritos políticos





2018-05-31
Robô meu coração

No. El hombre contra la máquina fue la pelea del siglo XVIII. La pelea del siglo XXI es la del trabajadorado planetario contra la burguesia parasitaria del capital socialmente producido y acumulado en forma de máquinas, oficinas, campos, ciudades, tecnología, medio ambiente, conocimiento, arte. Lo que se ilustra en el image no es una fuerza personal del capitalista propietario, es una una fuerza social, una creación histórica colectiva. Sin embargo, los trabajadores no disfrutan el tiempo libre que les facultarían los robots, sino que vuelven a ser "hombres libres como pájaros", parte del ejército de desempleados urbanos crónicos, trabajadores sin derechos de que se sirven, por ejemplo, los propietarios de los derechos de patente de la aplicación de tecnología GPS al transporte urbano de alquiler, tambíen una fuerza social, una creación histórica colectiva, para extraer como ganancia privada el excedente de lo que producen los "uberistas", hasta el día en que ellos mismos se tornarán inútiles por la robotización de los coches ya en vías de desarrollo tecnológico. Para los capitalistas es igual: en busca de la máxima valorización de su capital, se hacen accionistas a la vez de la fábrica de coches robotizados, de los transportes urbanos uberizados, de las redes de comercio virtual, de las fuentes de energía, de los serviços urbanos y de los inmuebles de alta renta en las grandes ciudades. 

Es decir: la "pelea contra las máquinas" es una tontería que nos llevará, a lo mejor, a una sociedad de propietarios de derechos sobre los procesos productivos e reproductivos de un lado y parias mantenidos por programas de renta mínima, quizás universal, por otro, con una capa intermedia de tecnológos, burócratas y periodistas muy bien pagados; a lo peor, sucumbiremos antes por las catástrofes climáticas. 

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2018-01-25
Como de hábito

Apesar da força indiscutível do bordão, o manifesto “Eleição sem Lula é fraude”, que se pretende instrumento de mobilização democrática contra um "puro ato de perseguição da liderança política mais popular do país", não passa de mal-disfarçado veículo de um abaixo-assinado de apoio à candidatura "Lula 2018" e à "união das esquerdas" por uma “vitória consagradora” sua em primeiro turno, [que] “significaria o fracasso do golpe [e] possibilitaria a abertura de um novo ciclo político”. 


Diz o manifesto que “o Brasil vive um momento de encruzilhada: ou restauramos os direitos sociais e o Estado Democrático de Direito ou seremos derrotados e assistiremos a definitiva implantação de uma sociedade de capitalismo sem regulações, baseada na superexploração dos trabalhadores”. 

Dado que a absolvição de Lula e a preservação de seus direitos políticos não têm, por si só, o dom de “restaurar os direitos sociais e o Estado democrático de direito” (até porque o governo deposto - pelo Congresso, com a cobertura do STF e por iniciativa da própria "base aliada" - foi o de Dilma, não o de Lula), muito menos de impedir “a definitiva implantação de uma sociedade de capitalismo sem regulações, baseada na superexploração dos trabalhadores”[*], deduz-se que os autores do manifesto só podem estar falando – de um modo francamente abusivo, salvo para os acólitos – dos efeitos esperados de sua recondução ao posto de presidente da República. 

Assinar essa “pegadinha” política é profundamente constrangedor para quem defende a absolvição de Lula no "processo do Guarujá" por insuficiência de provas, e a consequente preservação de seus direitos políticos, mas não tem intenção de reelegê-lo por discordar de sua atuação na Presidência e da política de seu partido.

O abaixo-assinado não visa mobilizar o maior número possível de pessoas em defesa dos direitos de Lula, mas coesionar seus próprios seguidores ao redor da mais recente contrafação petista da realidade brasileira - o "golpe da Lava Jato" - , agregar as personalidades de costume e os desavisados de ocasião e, na medida do possível, constranger os recalcitrantes do seu almejado monopólio da “política progressista” a concordar com aquilo de que discordam e dissuadi-los de desenvolver uma linha de ação independente.

Para mim, por exemplo, a eleição prevista para 2018 é fraude com ou sem Lula. Consumado o impeachment casuístico da presidenta eleita e estabelecido pelo tsunami de investigações em curso que o Congresso golpista é - perdoem-me as eventuais exceções - um antro de trambiqueiros, capachos do patronato e parasitas do Estado agindo à sombra da Constituição de 1988 e, desgraçadamente, dos próprios governos Lula e Dilma, só posso considerar legítima a eleição para um novo Congresso, ou Assembléia, de caráter Constituinte, imposto pelas multidões trabalhadoras - um tsunami democrático como o de junho de 2013, uma greve geral contras as reformas econômicas - com candidaturas oriundas dos movimentos civis e livre do poder do dinheiro e da aristocracia judiciária. 

Que espécie de "ciclo político", eu me pergunto, abrirá o governo Lula caso eleito, de maneira "consagradora" como quer o Manifesto, para administrar a massa falida da Nova República e seguir arrastando o seu cadáver insepulto?

PS: Os interessados podem acessar o manifesto e o abaixo assinado pelo link
https://www.change.org/p/sociedade-brasileira-em-defesa-do-direito-de-lula-ser-candidato-a-presidente-do-brasil

_____
(*) "impedir a definitiva implantação de uma sociedade de capitalismo sem regulações, baseada na superexploração dos trabalhadores” é uma curiosa, mas extremamente significativa formulação da intelligentsia lulista, a indicar que seu programa é a manutenção de uma sociedade de capitalismo com regulações, baseada na exploração normal dos trabalhadores.

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2017-10-06
Procrastinação fatal?

A terça-feira 3 de outubro era o momento crítico para que o Parlamento autonômico - sob impulso da maré de desobediência civil que assombrou o planeta, do resultado inequívoco do referendo independentista e da greve geral da nação insurgente - se reunisse, proclamasse a República da Catalunha e declarasse aberto o processo Constituinte.

De preferência com um apelo à solidariedade ativa dos democratas, indignados e pessoas comuns - las gents - de todo o mundo, a começar, e principalmente, da própria Espanha.

Restaria ao Estado espanhol o recurso extremo de enviar os tanques, como pediu Alfonso Guerra, verdugo histórico do PSOE a serviço da Coroa e do franquismo insepulto. 

A insurgência poderia ser contida, talvez até derrotada pela onipresença da força bruta contra a nação pacífica e desarmada. Mas a República permaneceria como uma esfoladura em carne viva, abrindo uma ampla via para a solidariedade dos trabalhadores e dos povos da Espanha e da Europa, impondo um patamar significativamente mais elevado para eventuais negociações e, o mais importante, legando à nação insubmissa o objetivo claro e palpável de toda a luta subsequente: a eleição e instalação de sua Assembléia Constituinte livre, democrática, republicana e soberana.

A procrastinação da sessão do Parlamento até a segunda-feira 9 de outubro foi um erro da liderança republicana, potencialmente fatal tendo em vista a mobilização rápida, ainda que tardia, de todos os recursos políticos, econômicos, midiáticos, burocráticos, ideológicos, jurídicos e policiais ao alcance da reação mundial contra a "insensatez independentista" - da Catalunha e do Curdistão.

Aguardemos – com o coração apertado. 

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2017-10-01
Uma tortilla democrática, por favor!

Qualquer que seja o desfecho do referendo independentista catalão, o regime de 1978 está liquidado como representação espanhola do que quer que se queira continuar chamando de “democracia ocidental”.

A partir de 1 de outubro ele assume formalmente o estatuto de instituição cripto-franquista encarregada de submeter - à luz do dia, sem disfarces e pela coerção sempre que necessário - os direitos e liberdades dos povos da Espanha às exigências da monarquia parasitária e dos grandes vampiros da economia contemporânea - bancos, fundos de pensão, imobiliárias, concessionárias de serviços públicos, monopólios energéticos, turísticos, comerciais e informáticos.

Não esqueçamos que o regime de 1978 é, ele próprio, uma sequela tardia e precária do Estado do bem-estar europeu subsequente à Segunda Guerra Mundial, abalado em seus alicerces pela resposta neoliberal à crise de rentabilidade de fins dos 1970s e atingido em cheio pela Grande Recessão dos 2010s - levando de roldão as bases materiais do bipartidarismo em geral e, muito particularmente, da social-democracia moderna, esteio da estabilidade política no continente e, por adaptação, em outras partes do mundo - o Brasil dos 2000s, por exemplo.

Salvo a vitória, no maravilhoso país da paella, do Quijote e do flamenco (não digo das corridas de toros em respeito aos direitos humanos dos bovídeos), de uma revolução democrática como a que se desenrola na Catalunha, a ascensão de um Novo Franco, "pequeno" e "civil" quem sabe, para começar, é questão de tempo.

Gostaria de estar equivocado. Quem dera eu pudesse ser, até o fim dos meus dias, apenas um despreocupado baby-boomer adepto da tortilla madrileña.

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2017-09-14
Hora extra

A resposta do PT à notória putrefação da Nova República todo o mundo não adepto do autoengano já sabe: o governo arquirreacionário Temer-Meirelles (que reúne 2/3 da aliança arquiprogressista Lula-Temer-Meirelles!!!) fica até dezembro de 2018, o Congresso golpista dos trambiqueiros a serviço do patronato também, todos esquentando o lugar para o retorno triunfal de Lula Presidente porque, se Deus quiser, até lá o STF "normalizou" a Lava Jato e o pior da recessão econômica passou. Aí, tudo volta a ser mais ou menos como antes, isto é, sai a República das Empreiteiras, que está na boca de Matilde, entra a República das Concessionárias, que continua com a boca na botija. 

Mas e o PSOL? Que “saída pela esquerda” propõe, afinal, a liderança do PSOL? Continuar batendo cartão de ponto na oposição parlamentar? 

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2017-07-01
30 de junho: muita fumaça e pouca greve

Com todo respeito e apoio incondicional àqueles que se mobilizaram por todo o país neste 30 de junho, não consigo enxergar mais do que um rotundo fracasso da iniciativa. Uma greve geral não é o mesmo que uma jornada de manifestações de rua - e pior -, qualitativamente iguais e quantitativamente menores do que as da mobilização precedente.

O saite do PT saiu com a seguinte pérola: “PARALISAÇÕES EM ATOS (sic!) de norte a sul do Brasil dizem não às reformas do governo usurpador de Michel Temer”. O que é isso? Querem enganar quem?

A convergência de iniciativas dos partidos e frentes de esquerda com os aparatos das centrais sindicais não é, infelizmente (ou felizmente?) condição suficiente para o sucesso de uma greve geral. Faltam os trabalhadores... parando de trabalhar! E para tanto são indispensáveis clareza absoluta de objetivos, formas de organização adequadas e lideranças próprias e confiáveis em todos os níveis, itens cuja produção supõe um histórico mínimo de luta - de classe - da geração presente! 

Por outro lado, não se pode minimizar a importância, pela negativa, da já longeva autoconversão voluntária do PT de partido de classe dos trabalhadores em partido parlamentar “de esquerda”, assim como da sua desmoralizante estratégia de cambalachos de Estado com o empresariado companheiro e, para culminar, da vergonhosa derrubada sem luta, ainda fresca na memória coletiva, do seu governo pelas mãos dos próprios aliados. Que trabalhador arriscará o seu emprego para seguir tão temerária (uh!) liderança?

Em resumo, eu penso que a classe trabalhadora QUE NÃO SE RECONHEÇA COMO TAL só fará greve geral sendo arrastada por um tsunami democrático como o de Junho de 2013 e se reconstruindo como classe dentro do turbilhão! O PT deu as costas, conscientemente, a essa chance quando ela se apresentou, e o PSOL, aparentemente, ainda não se deu conta de tal necessidade. O preço está sendo pago: muita fumaça - literalmente - e pouca greve. 

A luta continua, mas um balanço honesto é necessário!

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2016-09-04
A estrela se apaga

A desmoralizante política de cambalachos com o patronato companheiro desaguou, como era de se intuir, se não esperar, na vergonhosa derrota sem luta - que não se confunde com dissipação de energia militante em mobilizações a esmo, muito menos com esperneio, autocomiseração e lamúrias - ante o golpe parlamentar desfechado pelos amigos da onça da "base do governo". Um trágico epílogo para a "Carta aos Brasileiros".


Não bastasse, da classe social detentora dos naming rights do PT, nem uma única iniciativa extra-partidária, extra-aparato-sindical e extra-governamental - vale dizer, independente - em defesa do mandato ou do governo Dilma Rousseff veio ao conhecimento da nação.

Não estranha. Já faz tempo que, incorporada ao mundo dos negócios, a liderança histórica do Partido dos Trabalhadores renunciou à sua classe, consequentemente à construção de um programa político para o trabalhadorado do século XXI. Em seu lugar, consentiu e incentivou que a burocracia partidária o transformasse numa máquina parlamentar e publicitária autorreferida como "de esquerda", empenhada em disputar aos velhos e novos círculos políticos, jornalísticos e intelectuais "de direita” - sob a bandeira do pacto social desenvolvimentista e ao preço da transferência de migalhas da renda nacional aos "mais pobres" - a primazia na condução e arbitragem do conúbio parasitário das corporações patronais com seu próprio Estado.

Consuma-se assim, no meu modo de entender, o divórcio entre o PT e a classe que o pariu para representá-la na década de 1980.

Doravante, o tag Partido dos Trabalhadores será substituído, neste blogue, pelo tag PT, simplesmente. A organização política de classe dos trabalhadores brasileiros - por extenso e em minúsculas, para dar asas à razão histórica e ao orgulho plebeu - está, uma vez mais, vacante.

Recriá-la, quem sabe sob novas formas, é o problema básico que têm as novas gerações a resolver. 

Pois se o trabalhadorado, com toda a diversidade inerente às multidões urbanas do século XXI, não for capaz de reconhecer a si próprio como força social distinta, oposta ao patronato e candidata ao comando da vida econômica da nação - e do mundo do qual todo país é hoje irrevogavelmente dependente -, só nos restará torcer por algumas sobras de lugar no último comboio da Fundação Barack Obama para - quem diria - o Planeta Vermelho!!!

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2016-08-26
Sem frente, derrota iminente!

Pelo que que se lê nas redes, nos saites e nos jornais, tem-se a nítida impressão de que, enquanto o mandato da presidenta eleita é criminosamente usurpado por um conluio entre o Congresso e o STF, os partidos democráticos do país (PT, PSOL, PSB, Rede, PDT e outros a tirar e pôr a critério do leitor) se mostram muito mais preocupados com as eleições municipais.

Não resta dúvida de que, nas circunstâncias de HOJE - 26 de agosto de 2016 -, é obrigação dos partidos autenticamente democráticos disputar as eleições municipais inserindo em suas campanhas a exigência "Fora Temer", a denúncia do Congresso golpista e do STF arqui-conservador e a defesa das conquistas sociais e democráticas contra o governo usurpador e reacionário Temer-Meirelles.

Mas a óbvia impotência da maioria da nação perante o fato crucial - a operação de destituição, por motivo fútil, do governo constitucionalmente eleito - resulta de que esses mesmos partidos democráticos, a começar pelo PT e pelo PSOL (pelo grau de responsabilidade política que deriva de sua origem comum, o Partido dos Trabalhadores nascido das lutas operárias do ABC/80) foram incapazes de, no momento oportuno - e ele existiu, semanas atrás! - organizar, ou combater seriamente por, uma autêntica frente democrática contra o impeachment, suprapartidária, nacional e aberta a todas as personalidades públicas e organizações da sociedade civil.

Se o tivessem feito, poderíamos ter, na mesma ocasião em que o Senado e o STF se acoplam para "julgar" Dilma Rousseff, quem sabe a reunião de uma assembléia nacional dos comitês anti-impeachment a exigir a extinção do processo parlamentar, a destituição imediata do usurpador Michel Temer, a dissolução do Congresso golpista e a convocação de um Congresso Constituinte soberano para acabar com a República das Empreiteiras (algo que que a Lava-Jato e Sergio Moro jamais farão) e retrofitar a democracia no país - incluindo o ultraconservador STF! A depender das circunstâncias, poderia ser o caso até de propor o boicote às eleições municipais!

Desgraçadamente, a frente suprapartidária contra o impeachment de Dilma foi descartada, a priori, pelos partidos democráticos em prol, no caso do PT, de sua obsessão burocrática pelo monopólio da "política progressista" e, no do PSOL, de sua consoladora rotina de responder a todos os problemas com o aceno à constituição de uma estorvante, e em última instância inútil, "frente das esquerdas". 

É doloroso dizer: PT e PSOL negaram aos brasileiros - por omissão, no melhor dos casos - a realização da indispensável unidade de ação organizada de todos os indivíduos e entidades civis antagonistas do impeachment! 

A derrota é iminente. 

As consequências desse fracasso têm, por ora, o aspecto de um mero passo atrás. As garantias democráticas seguem mais ou menos como têm estado desde o fim da ditadura - "normais" para muitos, plenas (e até abusivas) para os que têm acesso a foros privilegiados e advogados famosos, inexistentes para um enorme contingente de párias sociais. Mas ninguém está sendo preso por delito de opinião ou por expor suas ideias na Internet. 

Contudo, a continuada perseguição a Lula - totalmente desproporcional ao miserável peculato de que o acusam -, assim como a tentativa de excluir o PSOL dos debates eleitorais na TV, servem de alerta. Um passo atrás depois do outro pode significar, em face de um confronto sério, a queda no abismo!

Na luta pela democracia e pelos direitos dos trabalhadores, a pura e simples unidade de ação por objetivos comuns, sem condições e pressupostos outros que não a independência organizacional e a liberdade de crítica, se sobrepõe em todos os casos às necessidades e conveniências dos partidos, independentemente de quão singularmente democráticos, progressistas e esquerdistas eles se reivindiquem. 

A longo prazo, nenhum partido ou organização política que ignore essa lição elementar, já velha de guerra na história dos movimentos democráticos e socialistas, sobreviverá como força progressista relevante; a democracia definhará; e o socialismo - este continuará sendo uma utopia reconfortante, o reino dos céus para os que não creem no inferno.

PS: O partido de classe dos trabalhadores brasileiros está vacante.

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2016-08-08
Erdoganização global: aforismos

1
 O corolário do desenvolvimento capitalista inexoravelmente parasitário dos Estados nacionais - a despeito das ilusões disseminadas sobre a progressiva dissolução destes últimos na "economia globalizada" - é a confirmação do bonapartismo, em suas inúmeras variantes institucionais e orientações cardeais, como regime político padrão do século XXI.

Claro indício do fenômeno - pela negativa - é o desconcertante resultado dos esforços das potências ocidentais para “livrar o mundo” dos resquícios da maré anti-colonial pan-árabe do II Pós-Guerra: a desintegração da ordem petroleira mundial num emaranhado quase incompreensível de guerras civis travestidas, como recém explicou o Papa Francisco(!), de conflitos religiosos. Conclusão tardia: era melhor um Sadam/ Kadhafi/ Assad mais ou menos na mão em seu espaço nacional do que milhares de jihadistas islâmicos voando pelo mundo à caça de alvos aleatórios.

Três importantes aspectos da erdoganização global são: (1) a "judicialização da política" - também dita "politização da justiça", (2) a ritualização da democracia e a mumificação de suas instituições, em aberta contradição com a potência criadora das multidões trabalhadoras urbanas; (3) a implosão da dicotomia metafísica esquerda/direita (democracia/fascismo na versão dos manuais da burocracia pós-bolchevique de Moscou), a começar do tsunami popular urbano que consumou a inglória debandada desta última em fins da década de 1980. 

A grande incógnita deste século adolescente é o trabalhadorado planetário, imerso numa crise autenticamente hamletiana de identidade e de perspectiva histórica - confiscadas aos seus pais e avós pela social-democracia, lançadas ao buraco da memória pelo termidor soviético e ainda não remidas pelas novas gerações.

5
Por ora, continua valendo a máxima política do inesquecível deputado Francelino Pereira: "O futuro a Deus pertence".




2016-04-05
Governistas e legalistas

Os adversários ativos do impeachment de Dilma Rousseff compreendem, a essa altura, duas grandes categorias: os "governistas" e os "legalistas" - e todos querem vencer a batalha sem ter de renunciar a suas visões sobre a crise atual e, menos ainda, sobre as perspectivas futuras. 

Detalhe importante: eles não gostam de ser confundidos - o que, convenhamos, é não apenas justo como muito salutar.

De modo geral, os "governistas" são filiados ao Partido dos Trabalhadores e sua área de influência; os "legalistas" incluem uma variada mescla de ativistas de esquerda, a maioria, talvez, sob a influência do PSOL, além de uma grande quantidade de democratas e socialistas independentes. 

A estes dois grupos se somam, evidentemente, milhões de eleitores de Dilma Rousseff fieis ao seu voto, embora passivos. 

As manifestações de 31 de março deixaram entrever - não tanto por seu tamanho quanto por sua diversidade social e política - que a ação unificada de "governistas" e "legalistas", arrastando atrás de si o eleitorado em geral, é a única maneira de impedir que a Presidência seja usurpada pelos estafetas parlamentares do empresariado organizado, na forma do impeachment sem crime de responsabilidade ou, o que dá quase no mesmo, que o impeachment seja derrotado à custa da partilha da Administração Pública brasileira entre o rebotalho do rebotalho da representação política desse mesmo empresariado; em outras palavras, de tornar-se o governo liderado pelo PT ainda mais refém (se é que é possível) do inimigo comum do que foi com o PMDB!

O que nos leva a uma preocupação: o PT pretender que o governo dê uma guinada à esquerda, sob a batuta de Lula, depois de vencer a batalha parlamentar do impeachment com uma tropa de algumas dezenas de "picaretas" (quem não se lembra?) fisiológicos, pode ser o início da aventura populista referida por este blogueiro na recente postagem "O ocaso da Nova República: Constituinte e cenários alternativos - um esboço" (24-03-2016) http://avebarna.blogspot.com.br/2016/03/o-ocaso-da-nova-republica-constituinte.html

A "saída pela esquerda" é, antes de qualquer coisa, vencer a batalha do impeachment pela via da mobilização democrática da maioria. E quem tem os meios para promovê-la são, antes de todos e principalmente, o PT e o PSOL. 

É agora ou nunca: é preciso constituir um Comitê Nacional SUPRAPARTIDÁRIO Contra o Impeachment! 

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http://avebarna.blogspot.com/2016/04/governistas-e-legalistas.html





2016-04-04
Pero no mucho

Demonstrando uma vez mais ter a exata noção de seu lugar na situação política - a retaguarda dos movimentos populares - bem como do momento oportuno para a sua intervenção dirigente - sempre a reboque dos acontecimentos -, a liderança do Partido dos Trabalhadores (que Deus os proteja!) vem de admitir, em seu jornal online, que as jornadas democráticas contra o impeachment de 31 de março foram, em boa medida, um movimento em defesa do mandato, não do governo Dilma Rousseff - uma das razões, creio, de seu relativo sucesso num momento particularmente delicado para as hostes governistas (sendo a outra a absoluta incapacidade de Michel Temer de unir o polegar e o indicador da mão direita, que dirá O Globo, Estadão, Folha, FIESP, FIRJAN, FEBRABAN, latifúndio, agronegócio, incorporadores, concessionários, empreiteiros e uma parte não desprezível do Novo Brasil de classe média preconizado, num momento de raro descortino, pela nossa querida presidenta).

[imagens]

Modere, contudo, o seu entusiasmo, leitor independente. Isto era só quando passávamos o mouse por cima da figura! Na foto de capa, pura e simples, pontificava a associação explícita das manifestações de 31 de março com a originalíssima solução política "Lula 2018" - um direito inalienável, obviamente, da publicação que o patrocina. Quem não se sentir representado, azar - que vá procurar a sua turma! 

A do blogueiro, já se sabe, é a turma da Mônica Iozzi: "Ser legalista não é o mesmo que ser governista". 

Não ao impeachment! Por um COMITÊ SUPRAPARTIDÁRIO NACIONAL em defesa do MANDATO Dilma Rousseff!

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2016-03-24
O ocaso da Nova República: Constituinte e cenários alternativos - um esboço 

À parte a frenética montagem do impeachment de Dilma, por crimes de responsabilidade até agora não caracterizados e pelas mãos de uma canalha parlamentar que não resiste a três dias de investigações, a evidência mais notória da falência da Nova República é o fato incontornável de que o Executivo e o Legislativo - dilacerados pelos temores, desconfianças e conflitos de interesses gerados pela combinação explosiva da desaceleração abrupta da economia com a supuração da "república das empreiteiras" - já não podem funcionar sem a arbitragem permanente do Judiciário (STF); uma situação administrativamente inviável e altamente instável do ponto de vista político. 

Na verdade, o primeiro dobre do fim da Nova República foi o tsunami democrático de junho de 2013, quando, incentivadas pela luta estudantil em favor da meia-passagem e impelidas pela combustão dos gases fétidos acumulados na preparação da Copa do Mundo, multidões nunca vistas no Brasil tomaram as ruas por ocasião da Copa das Confederações - espelhando-se na Primavera Árabe, nos Indignados da Puerta del Sol e nas Manifestações de Istambul - para exorcizar em público o sentimento represado e difuso de que algo de podre havia também em nosso vasto reino tropical. 

Não apenas o pacto lulista está irremediavelmente comprometido; o equilíbrio anterior tampouco pode ser recuperado, tanto por ter o país mudado consideravelmente na era Lula, com a elevação do nível de vida - e exigência - das multidões urbanas relativamente ao Hades das décadas de 1980-90, quanto pelo fato de a ajudicação privilegiada dos negócios e serviços do Estado a um petit comité de bancos, empreiteiras e concessionárias integrados ao circuito financeiro mundial ter sido, notoriamente, catapultada ainda no decênio anterior - a "privataria" da era FHC - para não falar de seus primórdios sob José Sarney, já em vigência da Constituição de 1988. 

A questão que parece resumir o atual impasse é: a elevação sustentada do nível de vida dos trabalhadores supõe o prolongamento do pacto sinistro que levou bancos e empreiteiras, pela mão do próprio Estado - sob Sarney, FHC e, desgraçadamente, Lula e Dilma, além de Câmara, Senado e Judiciário - à condição de virtuais concessionários do Brasil? 

A resposta, quero crer, tem de ser dada por um novo Congresso Nacional eleito sem a influência do dinheiro e dos potentados midiáticos, com poderes Constituintes suficientes para proceder ao desmonte da "república das empreiteiras" e à criação, no Brasil, de um contrato social autenticamente democrático e dos poderes que lhe correspondam. 

É claro, um Congresso Constituinte democrático e soberano não poderá ser parido pela Nova República em franco processo de decomposição: terá de ser imposto pela mobilização em massa das novas gerações, por todo o país. Ele é o norte necessário da revolução democrática interrompida pelo descarrilamento do PT e retomada, caoticamente como não poderia deixar de ser em tais circunstâncias, pelo tsunami de junho de 2013. 

Nesse processo, o trabalhadorado brasileiro terá condições mais favoráveis para resgatar a sua identidade de classe e proceder à inadiável reconstrução de sua representação política, papel a que o PT renunciou por livre escolha de sua liderança histórica. 

Os cenários alternativos, nada auspiciosos para a maioria dos brasileiros, são tipicamente três: 

O primeiro, já em acelerado ritmo de montagem , é um acordão conservador entre as diversas frações do empresariado, sua imprensa onipresente e seus estafetas parlamentares para um golpe congressional na forma do impeachment de Dilma, com a bênção longânime do STF e a anuência passiva e agradecida de militares escaldados que preferem permanecer em seus quartéis. Aqui, transfere-se o poder a Temer, encarrega-se a condução da economia a um ministério do mercado para proceder às "reformas estruturais" e, muito provavelmente, negocia-se, via STF, o paulatino relaxamento das prisões e sentenças dos mega-empresários e políticos processados e condenados em rito eficaz pela Lava-Jato - objeto de indisfarçável perplexidade nos clubes patronais e discretíssimo desconforto no âmbito da suprema corte. Esta alternativa é enormemente facilitada, nas circunstâncias da crise econômica, pela esterilização petista do movimento operário, inscrita no plano de subsunção de todas as classes ao Novo Brasil lulista de desenvolvimento ininterrupto e ganhos para todos - o "Brasil de classe média" de Dilma Rousseff. 

O segundo cenário adverso, cuja probabilidade aumenta exponencialmente no caso de insucesso do primeiro e recrudescimento da agitação política sem perspectiva de saída democrática, é um golpe militar bonapartista, com as consequências conhecidas no que tange às liberdades e direitos. Uma das variantes deste cenário, que lhe explicita o atributo "bonapartista", é a exacerbação, concomitante à restrição das liberdades democráticas, do rigor punitivo da Lava-Jato (com ou sem Moro) contra empresários e políticos, de quaisquer partidos e facções classistas, envolvidos em crimes reais e imaginários contra o Estado e suas agências. 

O terceiro cenário adverso é a aventura populista, na forma de uma guinada à esquerda baseada não na democracia de massas via Constituinte, mas no prestígio carismático do líder - menos provável na crise atual por não corresponder, aparentemente, às inclinações pessoais do único líder imaginável e não dispor, em todo caso, de suporte suficiente e adequado nas máquinas sindicais nem, até onde se pode enxergar, da indispensável simpatia de segmentos fardados relevantes.

O desenrolar dos acontecimentos não seguirá à letra, é claro, nenhum desses esquemas, mas tenderá, de uma ou outra forma, a remeter a algum deles, quem sabe uma combinação. O certo é que o curso tomado pelo empresariado, de forçar a queda de Dilma pela mão de um Congresso destituído da mínima sombra de prestígio popular e premido pela espada de Dâmocles da Lava-Jato, não tem qualquer chance de resultar em uma solução politicamente estável. A queda de Dilma não tem, ao contrário das ilusões disseminadas, o condão de despertar a economia - o que não fará nem um pouco felizes as multidões assalariadas. Muita água há de rolar debaixo dessa ponte - e quem sabe por cima também.

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2016-03-12
A incubação bonapartista num fôlego só

Enquanto o patronato em geral e seus acólitos acadêmicos e jornalísticos se fazem de mortos em face dos cambalachos dos de sua classe com agentes públicos por contratos em geral, concessões de equipamentos e serviços, obras faraônicas, eventos planetários, isenções fiscais, representação no estrangeiro e, é claro, financiamento da dívida pública a juros escorchantes, em troca de grandes, pequenas e meta-propinas quer para eles próprios quer para a sustentação de suas máquinas político-partidárias, um segmento periférico de jovens e ambiciosos juízes de direito e promotores de justiça em plena ascensão social e profissional, educados na crença do caráter natural da economia de mercado e imbuídos da ideia razoável, embora historicamente pouco realista, na verdade totalmente extemporânea, e por isso mesmo letal para a estabilidade das instituições, de que o cumprimento das leis, ainda que momentaneamente prejudicial a certos capitalistas, é indispensável à saúde e ao bom funcionamento do sistema como um todo, se propõe a extrapolar os fundamentos sociais e as limitações políticas do poder de que se sabe depositário para assumir o papel de saneadores dos costumes administrativos do país, o que os conduz a eviscerar o pacto, por assim dizer, de Deus com o diabo nas terras do Planalto Central, já gravemente ferido pelos ventos gelados da estagnação econômica planetária, com justificada aprovação de parte substancial das renovadas multidões urbanas que, ao contrário do que parece crer a maioria das lideranças de esquerda, não entram na vida política munidas de carteirinhas de orientação ideológica, muito menos quando expedidas por um passado duvidoso e que não vêem como seu, mas como simples cidadãos indignados, trabalhadores em sua maioria embora, a exemplo de sua liderança política nominal, alienados de sua própria classe, propensos, alguns, à timorata passividade dos panelaços, outros a gigantescos tsunamis humanos capazes de abrir caminho tanto para a afirmação da democracia de massas quanto, no extremo oposto, para a reação policial-militar, como se deu na Primavera do Cairo, a depender, e este é o “x” da questão, da capacidade que tenham as referidas lideranças de esquerda de se integrar à classe trabalhadora e dotar a luta democrática de iniciativas políticas unificadoras, formas organizacionais adequadas e, o mais importante, uma perspectiva histórica que faça sentido, por exemplo um Congresso Constituinte com candidaturas populares para enterrar a Nova República convertida em República das Empreiteiras, Bancos e Concessionárias e instituir uma democracia substantiva para a maioria da nação, assim ajudando a referida classe trabalhadora a forjar novas lideranças nascidas de seu próprio meio para tornar a ser uma influência positiva para a grande massa oscilante, como quando um enorme contingente dos que hoje confiam suas aspirações democráticas à espada de Moro foram, a seu tempo, jovens admiradores de Lula, o metalúrgico, aliados de sua classe, simpatizantes do seu partido e mais tarde seus eleitores, tudo de maneira a manter isolados, pela via da educação política das multidões, os reacionários irredimíveis, ou, como se diria na linguagem preferencial do atual PT, "o maior partido de esquerda da América Latina", e de seguidores mais ou menos desavisados que preferem rotular antes de debater, de compreender, de diferenciar, de testar e de se explicar, a "separar o trigo progressista do joio fascista". 

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2016-02-22
In God we trust

Excepcionalismo americano não é, como se acredita, para bem e para mal, a doutrina da singularidade do desenvolvimento histórico dos EUA e seu corolário triunfalista, o "destino manifesto" do país como eldorado e cidadela mundial das liberdades civis.

Excepcionalismo americano é a esquisitice nacional manifesta na volúpia da vida suburbana, na paixão pelo ludopédio jogado com as mãos e, last but not least, no sistema eleitoral mais estapafúrdio e antidemocrático do mundo dito civilizado - o qual só será reavaliado no dia em que as convenções Democrata e Republicana produzirem um disputa tão insólita e incerta como seria, por exemplo, Bernie Sanders vs. Donald Trump, caso em que esse mesmo excepcionalismo talvez seja invocado para anular-se Democrática e Republicanamente todo o processo e convocarem-se novas Convenções a cargo exclusivo dos "superdelegados".

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2015-12-25
Convergência de alto risco

A operação conjunta dos governos federal e municipal do Rio de Janeiro para salvar a Saúde do estado é também, e sobretudo, uma operação de salvamento do governo Dilma, uma vez que a batalha do impeachment, momentaneamente vencida com o reagrupamento do PMDB fluminense ao redor do governo, a decisão do STF quanto ao rito parlamentar e o W.O. da oposição nas domingueiras anti-Dilma de dezembro, poderia facilmente desandar com um mais do que compreensível surto de descontentamento popular contra o governador Pezão, este sim, merecedor de impeachment em rito sumário por gestão financeira irresponsável e descaso criminoso com a saúde pública - direito elementar da classe trabalhadora. 

Falando nisso, o estrondoso sucesso do Museu do Amanhã - leia-se Fundação Roberto Marinho - aparece de súbito como tábua de salvação da Caixa Econômica Federal - leia-se Governo Federal - e Cedurp - leia-se Governo Municipal - em face da tríplice atribulação do Porto Maravilha, a saber, o encalhe dos direitos de edificabilidade (CEPACs) adquiridos em lote único pela CEF, a lavajatização das empreiteiras consorciadas na Concessionária Porto Novo e a suspeitíssima intermediação de Eduardo Cunha na liberação de recursos do FGTS para obras a cargo de uma empreiteira Carioca.

É assim que a Circunstância, essa trocista incorrigível, acaba de tecer no Rio de Janeiro uma inesperada teia de interesses convergentes entre os executivos federal, estadual e municipal, o PT nacional, o PMDB fluminense e as Organizações Globo. 

Eu espero, de coração, que os ativistas e seguidores bem-intencionados do PT, nalgum dia não muito distante e por força da mesma "causa maior" que já os obrigou a entubar Sarney, Meirelles, Temer, Levy e Cunha e acaba de converter Pezão & Paes em paladinos da democracia e do progresso social, não se vejam na dolorosa contingência de ter de ficar de boca fechada, ou se fazer de desentendidos, para aliviar a barra dos Irmãos Marinho.


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2015-11-25 
Esquerda vou ver II

Lula nunca escondeu que sempre desconfiou da esquerda – e ninguém há de negar que lhe sobram bons motivos. Quando fundou o Partido dos Trabalhadores – se bem me lembro –, o fez para que a sua classe tivesse voz própria na cena política e achasse o seu próprio caminho em meio às infindáveis batalhas ideológicas das velhas organizações. 

Mas parece ter mudado de ideia, porque não apenas nunca mais usou o termo “classe trabalhadora” – diria até que passou a fazer questão de evitá-lo – como aceitou de bom grado que os intelectuais do PT o redefinissem como um partido “de esquerda”, o “mais importante do país”, que “se apoia” na classe trabalhadora – como diz a resolução de seu penúltimo congresso. 

Talvez Lula tenha encontrado na cúpula do PT, ou selecionado para a função, uma esquerda que considere afinada com os interesses de sua classe de origem e apta a conduzir a sua política.

Ou talvez acredite que, por ser o líder máximo do PT e concentrar em sua pessoa a representação da própria classe, é esta que – desde a fundação do partido – continua a “se apoiar” na esquerda, e a dirigi-la, pense a esquerda o que quiser pensar. 

A terceira possibilidade – mais provável – é que nem a classe trabalhadora nem a esquerda signifiquem, a essa altura, coisa alguma para Lula, somente “o Brasil”, cuja história há de ser redefinida segundo um “antes” e um “depois” do ano-referência de 2003, pelo fato elementar de o país jamais ter tido um presidente como ele!




2015-11-16
O sobrenome da Rosa

O pasmo, o horror e a náusea, inegavelmente intensificados pelo sentimento de que, em Paris – diferentemente de Beirute, Bagdá, Sudão e Sinai – os massacrados eram meus iguais, gente da minha cultura e da minha classe social, não são, contudo, suficientes para me fazer confundir os parisinos, em especial a sua juventude e os seus assalariados, com o Estado francês, um dos principais responsáveis pelas catástrofes econômicas, políticas e sociais que há pelo menos um século dilaceram a África, a Ásia e o Oriente Médio.

O jihadismo islâmico contemporâneo é uma degeneração histórica do nacionalismo laico e mais ou menos democrático pan-árabe, sistematicamente desmoralizado por derrotas em mãos de xeiques, generais, sicofantas e todo tipo de espiões a soldo das potências norte-atlânticas sedentas de petróleo, mercados e poder estratégico, sob a ativa supervisão, a partir de 1948, do Estado dissimuladamente teocrático e racista, além de atômico clandestino, de Israel.

O fascínio exercido pelo terrorismo jihadista contemporâneo sobre segmentos da juventude islâmica emana, não por acaso, da Revolução Iraniana de 1979, vitória histórica única e tardia do mundo muçulmano contra as potências coloniais, cristalizada não mais no Estado parlamentar democrático divisado em 1952 por Mossadegh, mas no novo Estado teocrático política, cultural e militarmente dirigido pelos aiatolás xiitas.

Sob a égide de grupos políticos e paramilitares constituídos para a defesa desse Estado, como o Estudantes Islâmicos Seguidores do Imã – responsável pelo longo e momentoso sequestro dos funcionários da embaixada americana em Teerã, em novembro de 1979 - e outros associados à Guarda Revolucionária Iraniana, acostumados a se exibir com detonadores e explosivos atados à cintura, o nome deste ramo do islamismo entrou para o vocabulário mundial como sinônimo de “radical”, “anti-americano” e, por ilação, “terrorista”.

Por ironia - essa favorita da História -, o Estado Islâmico, ou ISIS, ou Daesh, é tido como um desdobramento direto da decisão de George Bush e seus pares de destruir, por motivo fútil, a casta burocrático-militar sunita de seu antigo peão Saddam Hussein. A Casa Branca é, pois, a principal animadora da nova convergência de objetivos e métodos entre antigos jihadistas xiitas pró-Khomeini, hoje em relativo desprestígio, com novos jihadistas sunitas ligados a Saddam.

Em perspectiva, é impossível evitar a ideia reflexa de que os ovos dessa serpente foram postos pelos titulares do Eliseu, de Downing Street, de La Moncloa e da Casa Branca a chocar nos vastos depósitos de miséria, precariedade e desemprego crônico do Oriente Médio, de onde sua prole acabou transportada, como por um inevitável efeito bumerangue do colonialismo da era da Internet, para os subúrbios empobrecidos de Madri, Londres e Paris.

O terrorismo político não nasceu ontem – mas, no mundo islâmico, aumentou vastamente o seu poder de destruição na proporção direta da disseminação do tráfico de armamentos financiado pelo petróleo e da democratização da violência proporcionada pela ideologia do martírio individual em nome da fé. 

A única via para a sua superação é a elevação rápida, generalizada e sustentável dos níveis de vida material, política e cultural das nações árabes e islâmicas, algo que as potências estrangeiras, seus bancos, petroleiras e empreiteiras levam já um século tratando de impedir pelas vias da partilha territorial, da guerra delegada, do golpe de Estado e da repressão a cargo de suas castas sociais favorecidas.

O maior e mais eficaz inimigo histórico do terrorismo é, há muito tempo, o movimento socialista – e por uma razão simples: trata-se da única perspectiva capaz de, no mundo moderno, satisfazer a ânsia dos jovens por soluções solidárias, terrenais e sustentáveis, educando-os para a luta aberta, de massas, pelo poder político. O terrorismo islâmico floresceu, inquestionavelmente, no vácuo de poder político e autoridade ideológica - espúrios e em estado degenerativo terminal, não esqueçamos - criado pela agonia e morte do Estado burocrático herdeiro da revolução socialista de outubro de 1917.

Por isso, nada hoje é mais ensurdecedor do que o silêncio conivente das velhas organizações da classe trabalhadora com os chefes democráticos “esclarecidos” dos Estados norte-atlânticos; nada mais angustiante e opressivo que a exposição total e incontestada das multidões urbanas de todo o mundo aos apelos histéricos de seus governos por uma guerra total contra “inimigos da liberdade” nascidos e criados nos depósitos mundiais de lixo econômico de Wall Street.

O leitor não encontrará neste blog palavras de apoio às cruzadas civilizatórias da "comunidade internacional" contra os povos árabes e islâmicos, quer sejam lideradas por Cameron, Merkel, Rajoy, Putin, Hollande ou Obama!

Aos mortos no estúpido massacre de Paris, Uma estranha e gigantesca ave sobre Barcelona dedica uma Rosa, de sobrenome Luxemburgo: ou será o socialismo – libertário e internacionalista, desembaraçado pelas novas gerações de trabalhadores da abjeta submissão socialdemocrata aos donos do dinheiro e da infame adicção filoestalinista às engrenagens do Estado - ou a barbárie - da competição predatória entre conglomerados parasitários dos Estados nacionais, de suas devastações econômicas e militares recorrentes, da ideologia da guerra econômica permanente de todos contra todos e da destruição sistemática e inexorável do único planeta que temos para viver.
A redação deste ex-abrupto foi disparada pelo desconforto do blogueiro com uma mensagem recebida do Avaaz com os dizeres "Os ataques em Paris e Beirute tiveram um motivo: desestabilizar a base de nossas sociedades".
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2015-08-14
We can’t breathe!
Dilma está certa e seu mandato deve ser defendido. 

A vasta maioria de seus adversários no Congresso Nacional, na imprensa, na TV e quem sabe até no judiciário não pode ostentar uma migalha de sua honestidade pessoal e sua dignidade política - para não falar do voto legitimamente conquistado.

Mas quem irá fazê-lo? Como? Em nome de quê? 

Ainda mal restabelecido dos abalos do "mensalão" e do profundo mal-estar nacional revelado, em junho de 2013, com os privilégios concedidos às concessionárias de transportes, à FIFA e às empreiteiras contratadas para construir a infraestrutura da Copa e das Olimpíadas, o país é agora violentamente sacudido por uma nova tragédia - de dimensão histórica: a Petrobrás, maior empresa do país e símbolo de sua luta por independência econômica, está sendo destruída por uma predatória disputa de contratos entre as empreiteiras que medram sob a proteção do Estado brasileiro, ora pela via da cartelização ora pela via da guerra de propinas, sob as barbas (na melhor das hipóteses) ou a égide (na pior) do governo liderado pelo partido cujo nome reivindica a representação política da classe trabalhadora. 

A espessa nuvem de sensacionalismo midiático e exploração política da Operação Lava-Jato revela, com certeza, para além da necessidade de vender notícias, a evidente ânsia das elites brasileiras - empresariais e jornalísticas - de se vingar dos trabalhadores, na figura do PT, pela audácia de marcar indelevelmente a Nova República com a criação de um novo partido de classe, arauto de uma nova democracia e, quem sabe, de um novo socialismo. Nenhum privilégio, nenhum benefício, nenhuma boa-vontade as apaziguará, independentemente do que creiam ou esperem os líderes do PT. 

Mas isso não apaga a dimensão mais imediata e perturbadora da Lava-Jato: uma espécie de exorcismo público da tomada do Estado brasileiro por um pequeno comitê de empreiteiras, bancos e concessionárias envolvidas até o pescoço nos trâmites da economia mundial parasitária da especulação financeira, petroleira e urbano-imobiliária. O Brasil que a Lava-Jato desentranha já não é a República dos Marajás, mas a República das Empreiteiras.

Levada pela própria dinâmica da integração do país na economia mundial, a Nova República, que já nascera conservadora e imobilista, veio a engendrar, pela mão de FHC e – desgraçadamente – de Lula e Dilma, um Estado em vias de privatização total. Nenhum programa social de sucesso, nenhum feito desenvolvimentista, nenhum ganho histórico de salário pode esconder essa contradição básica da política petista. 

Encarar esse fato é, para Dilma, condição sine-qua-non para enfrentar a crise e sair dela. 

Para o PT, também, mas é provável que o momento da mudança tenha ficado irremediavelmente para trás.

Já faz muito tempo que a liderança histórica do PT abandonou a sua classe – convertendo-a, com a ajuda do imposto sindical e das políticas sociais do governo, em mera clientela – e saiu em busca de uma nova base social.

A terra onde medrou o Partido dos Trabalhadores foi salgada a tal ponto que nenhuma liderança digna de nota ali surgiu ao longo de todos esses anos. Nenhum novo líder fabril ou sindical petista surgiu para questionar a aliança estratégica com o PMDB e o pacto Lula-Sarney-Meirelles; nenhum movimento de base trouxe a público a sua indignação com os métodos espúrios de construção da base parlamentar do governo, com o valerioduto, com os aloprados, com a degradante simbiose governo-PT-empreiteiras, com os privilégios concedidos ao COI e à FIFA, com o pânico, seguido de hostilidade aberta, da cúpula petista em face do tsunami democrático de junho de 2013, com a nefasta tática eleitoral de destruir Marina Silva em benefício do morto-vivo Aécio Neves, com o pacto recessivo Dilma-Levy e, finalmente, com a suprema desmoralização que é, para a classe trabalhadora, o propinoduto da Petrobrás. 

Encurralado pela mesma operação policial que pôs na cadeia a nata do empresariado brasileiro - sócios preferenciais do Estado - e do governo - o Partido dos Trabalhadores agoniza. O PT poderá sobreviver - como o partido parlamentar “de esquerda” que apregoam as resoluções de seus congressos, como o PTB do século XXI, como social-democracia à moda latino-americana -, mas já não poderá reivindicar, muito menos exercer, o papel de representação política da classe trabalhadora. 

O naufrágio do PT deixou a classe trabalhadora à deriva e as novas gerações de brasileiros à mercê dos mercadores de ilusões do Congresso, da grande imprensa e da TV. Este parece ser o fator crítico da situação atual.

O resultado da desorientação geral é a ascensão de Cunha à presidência da Câmara, de Calheiros à presidência do Senado, de Temer ao lugar de fiel da balança da ordem social e política e da Lava-Jato ao papel de entidade mais popular do país. Em tais condições, não seria surpreendente se, amanhã, um novo tsunami democrático desgovernado levasse Dilma de roldão e depositasse inadvertidamente o poder, como no Egito, no colo da reação policial-militar.

Isolada dos trabalhadores e da juventude do país, Dilma se sente obrigada a apelar à legitimidade democrática de seu mandato e a ampliar as concessões ao poder econômico. A seu favor conta a pouca disposição de grande parte dos líderes empresariais – beneficiários de primeira fila dos negócios do Estado, mas carentes crônicos de representatividade política perante a nação – para abrir a caixa de Pandora do impeachment e entregar o poder aos atuais chefes do gangsterismo parlamentar. É pouco. Muito pouco.

Eu penso que, para defender seu mandato, reivindicar sua dignidade política e lançar um jato de ar puro sobre a nuvem tóxica que sufoca o país, Dilma deveria pensar em liderar, com o PT ou sem ele se for preciso, um movimento por uma Assembléia Constituinte soberana, com direito a candidaturas oriundas de movimentos trabalhistas e populares e livre da interferência do poder econômico - que envenena a democracia - para desprivatizar a República!

Chegamos a um impasse. O Congresso faliu há muito tempo e a combalida Presidência repousa sobre uma frágil maioria eleitoral. A democracia precisa ser refundada no Brasil. E a classe trabalhadora precisa desse espaço para ter a chance – pelo menos a chance! – de resgatar a sua identidade e reconstruir a sua representação política. É essa a maior contribuição que eu espero, hoje, da presidenta que ajudei a eleger.

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2015-04-24
"A culpa é da Dilma!"

Preocupado, por força das circunstâncias, mais com o bosque do que com a árvore, o recente alerta do FMI para as perspectivas nada auspiciosas das economias latino-americanas tem o mérito de explicar ao público que as razões essenciais da recessão brasileira não são - como se tornou moda deduzir, por ilação, dos cambalachos revelados pela Lava Jato - “culpa da Dilma”, mas fundamentalmente o produto de processos derivados da internacionalidade do sistema econômico, o principal deles “a desaceleração da China [que] tem tido efeitos negativos sobre os preços das matérias primas em todo o mundo” (O Globo online 12-04-2015). 

Quando muito, considera o FMI que “particularidades internas acentuam [itálico nosso] os problemas econômicos [brasileiros]: desafios de competitividade que não foram enfrentados [leia-se precarização do trabalho, que aliás está sendo providenciada], o risco de racionamentos de energia e água no médio prazo e os desdobramentos da investigação da Petrobras”. (O Globo online 14-04-2015). Sequer o desajuste fiscal - causa fundamental, recorrente e corriqueira dos nossos problemas no entender do doutor Delfim Neto (“Nada de novo sob o sol…”, Valor Econômico 07-04-2015) - é mencionado. 

De fato, nunca se ouviu dos chefes do FMI, tampouco dos analistas de economia da grande imprensa nacional, críticas, por exemplo, aos generosos gastos governamentais com o investimento de capital necessário à realização da Copa do Mundo, dos Jogos Olímpicos, do Porto Maravilha e até do Comperj, que só entrou na lista negra da mídia depois que o fluxo de dinheiro entre o governo e as empreiteiras emperrou. Como já dito em algum outro lugar deste blog, a contradição da nossa classe dominante com o gasto público é seletiva: só são “excessivos” os gastos que não a beneficiem direta e imediatamente e, obviamente, o conjunto dos gastos depois que todo mundo esqueceu em que foram feitos. 

O FMI não diz, nem poderia, mas a leitura do noticiário econômico - sobretudo na imprensa europeia - permite deduzir que as circunstâncias desfavoráveis à América Latina fazem parte de um ambiente econômico planetário extremamente adverso e instável, em que mesmo as avaliações momentaneamente positivas de países como Estados Unidos, Inglaterra e Espanha se fazem geralmente acompanhar de ressalvas relacionadas à baixa dos salários, à precariedade do emprego, ao aumento irrefreável da desigualdade e, por último mas não menos importante, a uma apreensão mais ou menos generalizada com o destino do oceano de títulos de dívidas públicas que hoje constitui a “substância” de boa parte da riqueza privada mundial. Uma situação a tal ponto esdrúxula que o risco de calote da Grécia (0,32% do PIB mundial e 1,3% do PIB da UE) é uma permanente ameaça de pânico nas bolsas de todo o planeta! Um avião lotado de passageiros, sem GPS, com piloto e co-piloto trancafiados no lavatório e o trem de pouso avariado - parece uma metáfora adequada para o capitalismo do século XXI, produto da competição predatória entre redes virtualmente indecifráveis de potentados financeiros, oligopólios industriais e seus Estados nacionais associados pela valorização dia a dia mais problemática dos respectivos capitais. 

Se culpa tem Dilma Rousseff - o PT nem se fala -, não é, definitivamente, a de ter causado a desaceleração chinesa e a queda dos preços das commodities, mas a de não ter alertado o seu eleitorado, e a classe trabalhadora em especial, para as inevitáveis turbulências econômicas vindouras e a consequente necessidade de estarem preparados para defender suas conquistas. 

Dessa responsabilidade, evidentemente, os analistas econômicos VIPs não querem nem ouvir falar: afinal, a economia é, para eles, um processo tão natural quanto a gravitação universal e a evolução as espécies, restando aos ignorantes cidadãos comuns nada além de entoar loas, nas boas colheitas, aos senhores do século por sua sábia governança e, nos eventos catastróficos, orar pela misericórdia dos céus.

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2015-04-16
Abril despetalado

1 As domingueiras anti-governamentais e globo-patrióticas de abril confirmam que a burguesia brasileira segue sendo, como liderança social e histórica, um mal-entendido: o seu sócio preferencial é o Estado, a sua grande força de sustentação a inércia, o seu posto político favorito a moita e os seus autênticos heróis os candidatos que disputam, a cada quatro anos, a corrida eleitoral à Casa Branca.

2 O pretenso líder conservador Aécio Neves é um morto-vivo político, que só teve 49% dos votos válidos porque os estrategistas do PT, primeiro, e logo a "desconstruída" Marina Silva, em pessoa, se encarregaram de depositar em seu colo milhões de votos de gente trabalhadora e progressista de boa fé, por isso mesmo desconfiada das reinações da alta burocracia petista com o financiamento da própria sobrevivência política.

3 Em face dos percalços econômicos, o governo Dilma aderna à direita não por causa do peso político do empresariado (vale lembrar que a cúpula das grandes empreiteiras está recolhida aos costumes e/ou negociando delações premiadas), mas porque o Partido dos Trabalhadores se desquitou, faz tempo, de sua base social originária para poder flertar, livre, leve e solto, com camadas mais afluentes - e volúveis - da sociedade brasileira, das quais se tornou, obviamente, refém. E o que é mais, manobras de retorno ao ninho, por não serem sinceras, mas forçadas pelas circunstâncias, tenderão a produzir resultados canhestros. 

4 Perplexa com os extravios do partido fundado por seus progenitores, a rejuvenescida classe trabalhadora brasileira aguarda, apreensiva, o impacto da marcha atrás no ritmo da atividade econômica sobre a sua recém-adquirida bonança. Só então a montanha se moverá. A incógnita, em qualquer caso, é de onde virão - se é que virão - e por que tipo de ideias se guiarão as suas novas lideranças.

5 A Operação Lava-Jato é, seguramente, no momento, o partido mais popular do Brasil.

6 “A natureza detesta o vazio” (Aristóteles).

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2015-03-31
Os prós e os contras

Semanas de manifestações pró e contra Dilma. Sintomáticas, mas ainda periféricas. As manifestações pró-Dilma não parecem ter mobilizado muito mais do que o aparato do PT e sua área de influência direta, quase toda ela dependente, de uma ou outra forma, do Estado. A presença da CUT e sindicatos não deve ser superestimada: a estrutura sindical de hoje é ainda essencialmente a mesma que foi herdada pelo PT do tempo dos pelegos do Ministério do Trabalho, pensionista do imposto sindical.  

De todo modo, essas manifestações só existiram como reflexo defensivo de um aparelho estatal e partidário empurrado contra as cordas pelo escândalo da Petrobrás.  

O governo Dilma é fraco, e não apenas por ter perdido de pouco, mas por ter ganhado onde menos é relevante o peso do operariado industrial e, sobretudo, por ter quase perdido para o morto-vivo eleitoral da burguesia, a quem a cúpula petista se aliou tacitamente para não ser atropelada pelo “efeito Marina Silva”.  

O fim da corrupção nos negócios do Estado é uma aspiração democrática legítima. Democracia significa, dentre outras coisas, que os assuntos públicos devem ser tratados com transparência, que as leis devem ser respeitadas e que aqueles que comprovadamente as transgridem devem ser devidamente julgados e punidos. 

As manifestações anti-Dilma têm sinais contraditórios. Por um lado, expressam o descontentamento legítimo com práticas que a maioria dos brasileiros tem todo o direito de julgar inadmissíveis em qualquer caso e muito mais sob os governos do Partido dos Trabalhadores: a corrupção e a dilapidação do patrimônio do Estado. Não se trata de que os trabalhadores são santos, mas de que essas licenças não são, definitivamente, parte constitutiva da sua psicologia política, muito menos de sua perspectiva histórica! 

Por outro, elas traduzem a malversação oportunista, por parte da grande imprensa, da cessação do crescimento econômico - que teria como causa fundamental não a anarquia do mercado mundial, mas equívocos da gestão econômica petista. A leniência dos governos do PT, por dolo ou omissão, com o pagamento de propinas a políticos e altos funcionários de empresas estatais, torna mais ou menos automática essa ilação.  

Aqui, desgraçadamente, é o feitiço se voltando contra o feiticeiro, uma vez que os sucessivos governos do PT infundiram na população a crença de que o crescimento econômico existiria para sempre desde que Lula estivesse no poder, ou seja, de que Lula tinha o poder mágico de conjurar as crises espasmódicas do sistema capitalista. Os governos petistas não apenas iludiram a sua base social original com respeito aos limites da sua ação como deram aos seus inimigos os meios de culpá-los pelo desarranjo da economia que eles garantem ser não apenas a mais eficaz como a única possível - crise cujo ônus, por ironia, cabe ao governo Dilma administrar.  

Ou seja, o PT acaba triplamente maldito: por coonestar com a corrupção, por causar a crise econômica e por lhe caber a administração dos remédios amargos necessários à retomada do crescimento nos termos do capital monopolista.  

A incógnita continua sendo a classe trabalhadora, ausente como tal da vida política desde que foi descartada por Lula como um fator de perturbação do consenso social. No Brasil, país em que sindicatos e partidos da classe trabalhadora são pouquíssimo enraizados, a concertação social tende a se materializar na figura do presidente eleito que a todos representa. Da classe trabalhadora que, na década de 1980, levou Lula ao centro da vida política nacional, só restam os aparelhos domesticados pelo Imposto Sindical. E mesmo estes o partido só convoca em situações extremas, como agora, para contrabalançar os efeitos negativos das manifestações anti-Dilma de 15 de maio. 

A tendência é que Dilma, para se proteger, se descole do aparelho partidário - refletindo, à sua maneira, o movimento de Marta Suplicy -, uma vez que lhe cabe o ônus de "fazer o dever de casa" sem que o partido lhe possa dar guarida nessa questão. Ao contrário, a tendência do aparelho do partido é se mover, como por reflexo, no sentido do “volta Lula”, o único movimento capaz de, em tais circunstâncias, manter a sua coesão. 

Redesenhado para ministrar justiça econômica em uma economia de crescimento ininterrupto, o PT, na crise, nada tem a oferecer ao país além da união nacional em torno de Luís Inácio da Silva, o social-democrata carismático, singularíssimo amálgama histórico de Getúlio, o pai dos pobres, Juscelino, o desenvolvimentista e Lula, o metalúrgico.

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2015-03-21
Divórcio à vista?

A grande ausente na cena política brasileira parece ser, agora como em junho de 2013, a classe trabalhadora. Claro está que não vejo como “a classe trabalhadora presente na cena política” os aparatos sindicais e suas áreas de influência imediatas mobilizados na última sexta-feira 13 para defender o governo Dilma das pechas de corrupto e incompetente.

Esse fato admite, por certo, uma mescla de interpretações conjunturais, estruturais, econômicas, sociológicas, antropológicas e até históricas. Mas como este blog não é capaz de ir tão longe, nem tão fundo, eu prefiro seguir a pista das declarações que vêm saindo da boca da presidente, dos chefes petistas e até do presidente da câmara, a indicar que "a corrupção no Brasil não nasceu ontem e suas raízes contemporâneas estão fincadas no governo FHC”.

Em face de tal álibi, um jovem trabalhador interessado na vida da nação (atitude rara no seio do patronato, é bom que se diga) poderia pensar: “Certo. A privataria tucana. Ouvi falar dela quando era criança. Mas o que é que o partido que pretende representar a minha classe social andou fazendo esse tempo todo que não moveu uma palha para investigar os malfeitos herdados nem para acabar com a corrupção vicejante bem debaixo do seu nariz e ao abrigo de suas próprias nomeações políticas?"

Convenhamos: para qualquer trabalhador que, embora não frequente os círculos sindicais, ainda se considere representado pelo PT e seus governos, há de ser profundamente desmoralizante que tenha cabido à polícia e à justiça a tarefa de trazer à tona uma rapinagem tão evidente e escabrosa como o propinoduto da Petrobrás, dando à grande imprensa e ao patronato mais uma imperdível oportunidade de expô-la à nação como uma tara original do movimento a que hoje eles se permitem o luxo de chamar sarcasticamente de "lulopetismo"!

É difícil, a essa altura, imaginar um bom motivo pelo qual a classe trabalhadora brasileira sairia espontaneamente em defesa de um governo seriamente suspeito de conivência interessada - ainda que por motivos de financiamento de campanhas eleitorais - com a indústria da corrupção. E o que é pior, reincidente!, se considerarmos que Lula e Dilma são a continuidade do mesmo movimento histórico.

E a ironia da história é que, justo no momento em que mais precisa da classe social que seu nome diz representar para enfrentar as hienas de plantão - porta-vozes de um empresariado que sempre, e ainda mais depois que inúmeros de seus executivos foram apanhados com a boca na botija, preferiu o anonimato (e a boa vizinhança com os quarteis) - o Partido dos Trabalhadores se vê na contingência de ter de responder com as armas do adversário a uma crise econômica que até as pedras sabiam que um dia iria chegar. Ou alguém pensa seriamente que, no capitalismo contemporâneo, um país está livre de ciclos recessivos e freadas bruscas só porque os especialistas em negociações trabalhistas e arranjos parlamentares ocupam os postos-chaves do poder político?

Pois este mesmo governo está prestes a pedir à classe trabalhadora, por meio do ministro banqueiro, que pague a conta de um programa de gastos públicos que, se bem lhe proporcionou uma boa década de emprego seguro e recuperação salarial, foi amplamente moldado pelas necessidades de um pequeno comitê de empreiteiras, concessionárias, incorporadoras, bancos e multinacionais do entretenimento esportivo.

Como esquecer que as reivindicações da meia-passagem e da abertura das contas das concessões de transportes estiveram na base da surpreendente revolta de junho de 2103 - um quase incêndio nacional inflado pelo imenso mal-estar político com osgastos para a Copa do Mundo e os incríveis privilégios concedidos às empreiteiras e à FIFA?

Aviso, portanto, não faltou.

Eu acredito que o trabalhador comum continua muito mais interessado em encher a panela do que em fazer dela tamborim, o barulhento passatempo que anda mobilizando - não sem alguma razão, é preciso admitir - os bairros mais valorizados e bem aquinhoados de serviços das grandes cidades. Mas, cá entre nós, em nome do quê ele irromperia na cena política, como membro de sua classe, sem sequer ter sido chamado e justo na pior hora, anos depois de dispensado pelas lideranças de seus pais como um traste obsoleto, uma presença inoportuna no banquete do desenvolvimentismo socialmente concertado?

Meu palpite – porque em coisas do coração nunca se pode ter certeza – é que a classe trabalhadora brasileira está irremediavelmente estranhada com o seu partido, e pelo pior dos motivos: anos de indiferença e autoindulgência com boemia, esbórnias e infidelidades, agravos que, como todo mundo sabe, não só não se reparam com casa, comida e roupa lavada como deixam ressentimentos difíceis de curar.

Resta saber quão prolongado e doloroso será o divórcio. E, caso ele se consume, se a rejuvenescida senhora pretenderá, um dia, tornar a casar.

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http://avebarna.blogspot.com/2015/03/divorcio-vista.html




2013-06-24
Congresso Constituinte Já!
(Publicado no facebook em 24-06-2013)

Aqui, na minha lista de amigos do facebook, tem gente de todas as linhas de pensamento. Por exemplo, tem admiradores incondicionais e adversários ferrenhos do governo Dilma Roussef. A imensa maioria não é nem uma coisa nem outra, talvez até seja as duas coisas ao mesmo tempo – o que nada tem de estranho, diria até que, nas circunstâncias, é bastante saudável. Mas somos todos importantes, todos temos o nosso lado da história para contar e ser ouvido.

(Jamais compartilhei, e serei adversário até a morte, da sociologia metafísica dos atuais dirigentes do PT, que fornecem aos seus seguidores um prisma através do qual o mundo sempre aparece dividido dois reinos: governo e oposição, esquerda e direita, democracia e fascismo. O adepto é obrigado, o tempo todo, a classificar tudo o que vê, imediatamente, em algum desses dois campos, morto de medo de ser classificado pelos próprios gurus com o rótulo “errado”. Não espanta que, diante de um imenso tsunami político como o que estamos vivendo, esses dirigentes entrem em pânico e suas bases se quedem perplexas. A cúpula do PT e seu séquito de teóricos deixa aos maus escritores a tarefa de lembrar às pessoas que a realidade é feita de infinitos tons de cinza.)

Contudo, tenho, como todos, os meus critérios. Com base neles, acabo de defenestrar da minha lista um óbvio provocador que vem publicando mensagens convocando à “greve geral para mostrar quem manda no país” aos berros de “fora Dilma”. Sugiro que todos façam o mesmo. Deve haver por aí muitos outros, mas tenho coisa melhor para fazer.

Permitam-me, para terminar, esclarecer que rompi com o PT, jamais serei defensor incondicional de um governo PT-PMDB, mas sempre defenderei, do meu modesto posto de observador virtual, e à minha maneira, o que entendo serem conquistas democráticas e sociais encarnadas nas figuras e cargos políticos de Lula e Dilma contra a plutocracia brasileira e seus advogados no governo, no Congresso, no judiciário, na imprensa e nas ruas.

É por isso que acho que está na hora de pensarmos em um Congresso Constituinte. Sinceramente, não vejo como resolver passe livre, aborto, Estado laico, contratos de serviços públicos, reforma agrária, distribuição da renda da terra urbana, distribuição de royalties das riquezas do subsolo e tantas outras coisas democráticas com este congresso que temos. Dilma representa até aqui, creio, a vontade da maioria. Mas este congresso está morto. Só falta deitar.

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2012-01-05
Todas são primaveras, umas mais floridas do que outras

A pressão das classes dominantes estadunidense e norte-européias sobre o mundo árabe-muçulmano vem aumentando na razão direta da profundidade do atoleiro em que se debate o capital na era da finança globalizada.

Inquietos, os povos do mundo sentem crescer o ritmo da coreografia macabra que os EUA, a Europa e Israel executam ao redor do regime dos aiatolás, e se perguntam: no Afeganistão, teria sido por causa da destruição das torres gêmeas de Nova York; no Iraque, das míticas armas de destruição em massa – e ambos os países estão hoje em ruínas; no Irã, será por causa do programa nuclear – exclusividade na região, por "direito de império", dos generais paquistaneses e fanáticos israelenses amigos do “Ocidente”. Quando é que esse pesadelo vai acabar? Quando o petróleo secar?

A pressão se manifesta em todos os terrenos: militar, econômico, diplomático, político e cultural. A intervenção militar seletiva e oportunista dos Estados centrais e OTAN nas revoluções democráticas em curso na região – cujo exemplo mais claro foi a Líbia, podendo se repetir na Síria – é apenas um dos meios de que a finança global lança mão para se apossar, com um mínimo de “custos de intermediação”, da totalidade das reservas de petróleo da região e eliminar focos de resistência ao seu domínio sobre os recursos essenciais disponíveis no mundo. Hoje é o petróleo; amanhã poderá ser... a água.

Para tapar o buraco legado pela explosão da bolha financeira de 2008 e se recapitalizar sem levar à ruptura – o que é muito importante – o sempre delicado equilíbrio social europeu, a finança globalizada, em sua desesperada fuga para diante, parece procurar instintivamente a ampliação rápida e radical de seu domínio sobre as fontes mundiais de petróleo. 

Não lhes basta o petróleo que já têm sob controle: os países centrais precisam desesperadamente de todo o petróleo disponível nos depósitos do Norte da África e Oriente Médio, seja para seguir movendo a custo relativamente baixo a sua decadente e insustentável indústria automotiva – razão pela qual outra frente de guerra já está aberta, sobretudo nos EUA, contra o ambientalismo em geral – seja para dar novo lastro à espiral de valorização parasitária de seus capitais à base de securitização de contratos e especulação imobiliária, os verdadeiros motores dinâmicos da economia de mercado contemporânea.

Para o capital globalizado, trata-se somente de sobreviver, não importando que arraste consigo o planeta inteiro à ruína - econômica, política, cultural e, finalmente, ambiental.

Como brinde pela conquista do acesso ilimitado ao petróleo, as potências almejam também, é claro, incorporar ao mercado mundial por elas controlado todos os fatores de produção (capitais, terra, mão de obra) e potenciais mercados árabes consumidores de capitais e mercadorias, eventualmente bloqueados pela vigência de instituições remanescentes dos movimentos de independência nacional do segundo pós-guerra.

Este parece ser o cerne do conflito entre a finança global gravemente ferida, mas longe de morta, e os califados nacional-burocráticos resultantes da lenta, porém inexorável degeneração dos regimes herdeiros dos movimentos nacionalistas árabes do terceiro quarto do século XX. 

Foi no marco do movimento nacional-desenvolvimentista conhecido, de maneira só aparentemente contraditória como pan-arabismo, que se afirmaram a República Árabe do Egito, governada por Nasser – que nacionalizou o Canal de Suez – a partir de 1953, a República Árabe da Síria (unida ao Egito entre 1958 e 1961 como República Árabe Unida) e, finalmente, a República da Líbia (unida ao Egito entre 1972 e 1979, como Confederação das Repúblicas Árabes); rebatizada como república "Árabe, Popular e Socialista” a partir 1969-1970, a Líbia de Kadafi nacionalizou bancos, empresas e os recursos petrolíferos do país.

A disputa, por parte da “comunidade internacional” (capital globalizado, Casa Branca, OTAN e grande imprensa), do significado da expressão “primavera árabe”, tem um sentido claro: dar à revolução democrática pan-árabe – que não aspira essencialmente senão a pão, terra, democracia e, como sempre, independência nacional – o significado de uma continuidade, mais que um eco tardio, da revolução democrática leste-européia que decretou o fim da burocracia soviética e restabeleceu o “livre” mercado nos países onde o essencial dele havia sido banido.

Trata-se, para esse simulacro de “comunidade internacional”, de convencer os trabalhadores e camadas médias do mundo inteiro de que o que querem a juventude, os trabalhadores e os pequenos proprietários árabes é se livrar dos restos de limitações à propriedade herdados do panarabismo e se ajoelhar de admiração ante os prodígios econômicos de Wall Street , da City e de Frankfurt.

Comparando-se a atitude da grande imprensa da “comunidade internacional” em face das revoltas democráticas na Tunísia, Egito, Bahrein, Qatar, Iêmen, Líbia, Síria etc. pode-se concluir: todas são primaveras, mas algumas mais floridas do que outras – conforme a afiliação política e histórica das respectivas famílias governantes.

No centro dessa encruzilhada está, porém, o Irã, um país muçulmano não árabe palco da mais tardia (1979), violenta e, em certo sentido, intrigante das revoluções nacionais do Oriente Próximo, erguida sobre os escombros da tradição nacionalista laica legada por Mossadegh (que nacionalizou o petróleo iraniano em 1952) mas também por Nasser, Kadafi e até por Arafat.

Por ser, talvez, a mais tardia do mundo muçulmano – sufocada durante quase 25 anos sob o tirânico reinado pró-EUA do xá Reza Pahlevi –, a revolução iraniana de 1979 marcou, por outro lado, a derrocada e submissão aparentemente definitivas do nacionalismo democrático laico e das pretensões pseudomarxistas do outrora poderoso, mas já então decadente Partido Comunista Iraniano (Tudeh). Com Khomeini, a revolução nacional e anti-imperialista começa a se converter, em todo o Oriente Médio, Ásia Menor e até na Indonésia – numa palavra, em todo o mundo muçulmano -, em “revolução muçulmana”, dando ao sentimento anti-imperialista uma forte conotação de resistência civilizacional.

Foi sustentando Reza Pahlevi até o limite do absurdo que os EUA e a Grã-Bretanha conseguiram a proeza de dar justificativa histórica, em fins do século XX, ao renascimento, no Irã, do Estado teocrático muçulmano, que emergiu como uma forma “ultra-sui-generis” de regime bonapartista apoiado sobre uma juventude intensamente radicalizada e uma milícia de extração popular cujas oscilações à esquerda lhe dão uma aparência nacionalista revolucionária e, à direita, claramente fascista.

Foi assim, creio, meio empurrado pelas circunstâncias meio por vontade própria de sua juventude revolucionária islâmica, que o Irã dos aiatolás se converteu em referência inevitável para toda revolução democrática árabe que não tenha uma liderança laica à altura das tarefas históricas a cumprir.

A teocracia iraniana é, para a dita "comunidade internacional", o inimigo a ser destruído. Não por ser teocracia, muito menos por seu caráter inerentemente conservador e antidemocrático – que a plutocracia estadunidense e os nobres financistas britânicos não estão nem aí para essas futilidades – mas por ser, em alguma medida, nacional e anti-imperialista e, até por questão de sobrevivência, mais que tudo anti-EUA.

Sabe Alá onde tudo isso vai dar!

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2011-11-26
Roda gira gira roda

Uma das maiores virtudes da revolução democrática pan-árabe tem sido, paradoxalmente, embaralhar todas as cartas da sociologia e da política, prisioneiras até hoje do marco geopolítico da Guerra Fria.

O movimento das multidões norte-africanas não se ajusta aos gabaritos ideológicos dominantes na segunda metade do século XX, tampouco respondem às cabalas com que os EUA tentam exorcizar as lutas democráticas e nacionais do século XXI, o “eixo do mal” e o “terrorismo”: ele se expressa de maneira igualmente impetuosa e radical contra os califados autocráticos sustentados pelas potências da OTAN e contra os califados burocráticos apoiados pela antiga URSS.

Não é provável que vá muito longe, pela simples razão de que, em nossa época, se revoluções podem ser desencadeadas com fragmentos de programa democrático de alcance nacional, em nenhuma hipótese poderão ser concluídas sem um claro programa socialista de alcance mundial, patrocinado pelo trabalhadorado reconstituído como classe habilitada a extinguir a sociedade de classes.

Em todo caso, a Primavera Árabe significa que a roda do movimento histórico à propriedade e controle social dos meios de produção e distribuição planetários, engripada pela ferrugem da burocracia contrarrevolucionária de Moscou, dita comunista, voltou a girar.

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2011-06-23
Informação sigilosa: o mar não está para peixe

Dado que a grande imprensa não é mesmo confiável, eu tratei de ir à fonte.

Não foi fácil de achar, em meio a disposições sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, a legislação da ANAC e da INFRAERO, a autorização para contratação de controladores de tráfego aéreo e outros que tais, mas lá está: pelo artigo 39, parágrafo único do RDC (Regime Diferenciado de Contratações Públicas), o governo PT-PMDB-sei-lá-mais-o-quê – que apesar de certas nefandas alianças teve, e ainda tem, o meu voto por uma questão de perspectiva política e histórica que talvez um dia eu tente defender junto aos meus leitores – propõe dar ao COI e à FIFA o direito de decidir quanto dinheiro do Tesouro do Brasil eles irão gastar com seu coliseu itinerante!! (As competições de alto nível são muito legais, leitor, mas se a gente pensar bem, a Olimpíada, como sugere o próprio nome, não passa de um Cirque du Soleil de semi-deuses do esporte). 

Em postagem anterior, insinuei que episódios desse tipo guardariam estreita relação com o “pacote de salvamento” que, por ocasião da quebra da roleta financeira norte-americana em 2008, o insuspeito Joseph Stiglitz, ex-economista-chefe do Banco Mundial, qualificou, em seu livro O Mundo em Queda Livre, de “O Grande Roubo Americano”.

Não me tome, caro leitor, por filosoficamente cético ou pessimista. Posso lhe assegurar, ademais, que estou feliz e de bem com a vida. Mas tenho cada vez mais presente a sensação de que, num futuro que já deu a largada, os Estados Unidos, indo daqui para lá, a China, vindo de lá para cá, com o Japão a reboque, e a Europa, como sempre no meio do caminho junto com os emergentes seus amigos, o Brasil incluído, acabarão misturados numa caótica sociedade burocrática pseudo-capitalista e pseudo-globalizada controlada por proprietários de imóveis, donos e executivos de bancos e gestores de fundos de pensão, com poderes equivalentes ao de concessionários – como nos tempos da tomada inglesa de Bengala – dos Tesouros dos Estados nacionais. 

Tudo isso, é claro, em meio a cataclismos climáticos cada vez mais severos e freqüentes. 

O COI, a FIFA e congêneres garantirão que as nacionalidades continuem a ser celebradas com a execução de seus hinos triunfantes nas batalhas desportivas e os “homens bons” irão regularmente à igreja pedir à mão invisível do mercado que assuma também o controle das intempéries. 

Resumindo, uma louca mistura de 1984 com Rollerball e Blade Runner.

Possibilidades alternativas certamente existem, mas acho que vai ser preciso, de quando em quando, um showdown - em bom português, “botar o pau na mesa”. Porque não vai ser só com boas maneiras que sairemos desse imbróglio.

Já lá se vão 23 anos da assinatura dos protocolos de Kioto e a impressão que se tem, a julgar pelas conferências de Copenhagen-2009 e Cancún-2010, é que o planeta não tem pressa. O cidadão instruído faz a coleta seletiva direitinho, nossas crianças aprendem a economizar água, os excluídos, porém honestos, dão sua contribuição ao esforço mundial de reciclagem vivendo da recolha de latinhas e o companheiro Minc faz das tripas coração com seus vistosos coletinhos étnicos (nesse quesito ele poderia, como dizia a minha avó, dar o braço ao companheiro Evo e sair correndo), mas os proprietários de terra estão mais preocupados em derrubar a floresta e se lixando para o problema de onde os pobres das cidades vão morar. Já os banqueiros, financistas e seus ventríloquos à testa dos Estados ricos têm coisas mais urgentes a tratar (a solvência da Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e... Estados Unidos!) do que o derretimento das calotas polares, o desemprego estrutural, o planeta-favela e a economia bandida. (Alguém duvida seriamente de que tudo isso são aspectos de uma única sociedade planetária?)

Eu sugiro começarmos a pensar em democracias sem banqueiros (para que eles servem, afinal? – indagaria o proto-funcionalista Aristóteles) nem latifundiários rurais e urbanos e que os mesmos poderes soberanos dados no Brasil ao COI e à FIFA sejam outorgados, no mundo inteiro, em caráter experimental, ao Painel da ONU sobre Mudanças Climáticas! Pior do que está, eu acho que dificilmente iria ficar.

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